Hermann Hesse, no conto "O poeta", conta a história do jovem Han Fook que ansiava ser um grande poeta. Não podendo ser diferente, tratando-se da dimensão dos escritos desse mito da literatura universal, Hesse apresenta de modo não menos poético o poder da poesia. Transcrevo aqui alguns trechos, dentre os muitos, que me fez amar ainda mais o modo do poeta ver a vida. Os grifos são todos meus.
"O coração do jovenzinho apertou-se ao contemplar como espectador solitário, conforme seu temperamento, toda âquela beleza. Deseja tanto ir para lá e estar ali no meio, gozar a festa junto de sua noiva e de seus amigos; entretanto, preferiu mais ainda assistir àquilo tudo como um espectador sensível e tornar a mostrá-lo numa poesia perfeita (...) Sentiu que em meio a tôdas as festas e alegrias desta Terra, nunca seu coração poderia ficar tranqüilo e sereno, que êle mesmo estaria sempre no meio da vida como um solitário e de certo modo como um espectador e um estranho, e sentiu que, entre tantas outras, apenas sua alma fôra feita de tal maneira que precisava sentir ao mesmo tempo a beleza da Terra e a secreta nostalgia do desconhecido. Com isso ficou triste, e ansiou por essas coisas, e terminou pensando que, para êle, uma verdadeira felicidade e uma profunda satisfação só poderiam existir, se algum dia lhe acontecesse refletir o mundo tão perfeitamente na poesia, que, nessa imagem, êle possuísse o próprio mundo, purificado e eternizado.
"Com isso, o aluno partiu de viagem e andou sem descanso, até que uma manhã, na alvorada, parou na margem do rio de sua terra, e olhou, sôbre a ponte enevoada, para sua cidade natal. Penetrou furtivamente no jardim de seu pai e ouviu pela janela do quarto a respiração do pai, que ainda dormia, e insinuou-se no pomar da casa da noiva, e viu, de cima de uma pereira, onde trepou, sua noiva em pé no quarto, penteando os cabelos. E enquanto comparava tudo isso, tal como o via naquele momento, ao retrato que compusera na sua saudade, tornou-se-lhe claro que seria mesmo um poeta, e viu que nos sonhos dos poetas mora uma beleza e um encanto, que debalde se procura nas coisas da realidade.
"E ficou e aprendeu tocar cítara e depois a flauta, e mais tarde, sob instrução do mestre, começou a fazer poesia, e aprendeu lentamente aquela arte secreta, que aparentemente só fala de coisas simples e desprentensiosas, mas com fim de revlover a alma dos que a escutam como o vento no espelho da água. Descreveu a chegada do sol, como êle hesita na orla da montanha, e o silencioso deslizar dos peixes, quando fogem como sombras sob a água, ou o balanço de um salgueiro nôvo no vento da primavera, e quando a gente ouve aquilo, já não era apenas o sol e jôgo dos peixes e o murmúrio do salgueiro, mas parecia que por um instante, o céu e o mundo de cada vez, combinavam-se numa música perfeita, e cada um ao escutar, pensava ao mesmo tempo, com alegria ou dor, naquilo que amava ou odiava: o garôto, na brincadeira; o jovem na amada; o velho na morte.
HESSE, Hermann. Contos. 6 ed. Trad. Angelina Peralva. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1974. p. 26-33."O coração do jovenzinho apertou-se ao contemplar como espectador solitário, conforme seu temperamento, toda âquela beleza. Deseja tanto ir para lá e estar ali no meio, gozar a festa junto de sua noiva e de seus amigos; entretanto, preferiu mais ainda assistir àquilo tudo como um espectador sensível e tornar a mostrá-lo numa poesia perfeita (...) Sentiu que em meio a tôdas as festas e alegrias desta Terra, nunca seu coração poderia ficar tranqüilo e sereno, que êle mesmo estaria sempre no meio da vida como um solitário e de certo modo como um espectador e um estranho, e sentiu que, entre tantas outras, apenas sua alma fôra feita de tal maneira que precisava sentir ao mesmo tempo a beleza da Terra e a secreta nostalgia do desconhecido. Com isso ficou triste, e ansiou por essas coisas, e terminou pensando que, para êle, uma verdadeira felicidade e uma profunda satisfação só poderiam existir, se algum dia lhe acontecesse refletir o mundo tão perfeitamente na poesia, que, nessa imagem, êle possuísse o próprio mundo, purificado e eternizado.
"Com isso, o aluno partiu de viagem e andou sem descanso, até que uma manhã, na alvorada, parou na margem do rio de sua terra, e olhou, sôbre a ponte enevoada, para sua cidade natal. Penetrou furtivamente no jardim de seu pai e ouviu pela janela do quarto a respiração do pai, que ainda dormia, e insinuou-se no pomar da casa da noiva, e viu, de cima de uma pereira, onde trepou, sua noiva em pé no quarto, penteando os cabelos. E enquanto comparava tudo isso, tal como o via naquele momento, ao retrato que compusera na sua saudade, tornou-se-lhe claro que seria mesmo um poeta, e viu que nos sonhos dos poetas mora uma beleza e um encanto, que debalde se procura nas coisas da realidade.
"E ficou e aprendeu tocar cítara e depois a flauta, e mais tarde, sob instrução do mestre, começou a fazer poesia, e aprendeu lentamente aquela arte secreta, que aparentemente só fala de coisas simples e desprentensiosas, mas com fim de revlover a alma dos que a escutam como o vento no espelho da água. Descreveu a chegada do sol, como êle hesita na orla da montanha, e o silencioso deslizar dos peixes, quando fogem como sombras sob a água, ou o balanço de um salgueiro nôvo no vento da primavera, e quando a gente ouve aquilo, já não era apenas o sol e jôgo dos peixes e o murmúrio do salgueiro, mas parecia que por um instante, o céu e o mundo de cada vez, combinavam-se numa música perfeita, e cada um ao escutar, pensava ao mesmo tempo, com alegria ou dor, naquilo que amava ou odiava: o garôto, na brincadeira; o jovem na amada; o velho na morte.
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