29.4.07
o saber sobre a mulher
Texto de um grande amigo, Allan Ramalho, de quem tenho orgulho desde já.
Publicado com sua autorização.

A mulher representa um desafio para o saber... Não há uma mulher, mas mulheres. E certamente não gosto do reducionismo naturalista. Sartre fez uma brincadeira sobre isso num romance. Num diálogo, ele disse algo mais ou menos assim: Estude uma mulher, mais estude bem e conhecerás todas as mulheres... Isto é realmente engraçado... Parece que a mulher pode se reduzir a um conceito. Digo que não. Prefiro falar no plural: as mulheres. Cada mulher se apresenta um desafio para o saber... E quem conhece a conquista não conhece a mulher, mas uma técnica. A técnica do conquistar...

Don Juan não conhecia a mulher. Por que fazemos este retrato platônico dele? Ele não sabia o que queria, porque queria sempre, não poderia deixar de querer... Se ele soubesse um dia, talvez estaria satisfeito, mas é próprio do desejo não conhecer um destino, mas viver sempre à procura de possibilidades.

Diante das mulheres, meu saber fracassa e toda a minha argumentação torna-se nula. Sou um eterno aprendiz que nas amarras do desejo não sabe desejar, mas apesar disso sempre quero alguma forma de relação...

Prefiro tomar a mulher como uma metáfora... Pensamos sempre num feminino, mesmo que neguemos uma natureza feminina... O feminino está nas amarras de milhões de signos que nos atravessam ao longo da história.

Mais alguns enigmas serão sempre enigmas. Sempre diremos algo sobre a mulher, mesmo que sob a forma de um anti-conceito, ou pura interpretação. Algo diferente do senso comum e da ciência.

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28.4.07
apresentação
Fui honrado com o pedido de um amigo para fazer a apresentação de seu livro.

Michael de Montaigne, filósofo francês, considerava seus escritos como um auto-retrato pelo qual os seus leitores veriam a sua pessoa. Assim como ele, acredito que as palavras carregam um pouco do seu escritor, revelando seu caráter, personalidade, momento existencial, e, de modo muito especial, eternizam-o.

Parece-me ser esse um dos sentidos de Jesus ser chamado "logos" no início do Evangelho de João. E também o sentido dado pelo Antigo Testamento para referir-se a Lei de Deus como palavra, pois, antes de todo o seu significado, pretende revelar o caráter Santo do seu escritor.

Na presente obra você estará em contato com o retrato de Manuel Castanheira, e por mais que nunca venha a conhecê-lo pessoalmente, sentir-se-á íntimo de sua pessoa.

E digo mais. Você tem em mãos mais uma parte do retrato de Deus, pois o Manuel a ser conhecido adiante é uma página na qual Deus escreve sua história de amor para com a humanidade. Sou testemunha de como a vida desse jovem angolano é uma manifestação da palavra criadora do Gênesis e ressurreta dos Evangelhos.

Meu maior desejo é que você, em cada página, encontre o retrato de quem literalmente fez de sua vida um livro aberto. E sem sombra de dúvidas essa coragem de fazê-lo nasceu da certeza dele saber que seu retrato revelará e tornará conhecido a você o grande autor dessa obra...
Rafael Alves de Santana
(Manuel Castanheira. Antes que eu me esqueça. 2006)
Contatos com o autor:
http://www.projetoangola.rg3.net/
kanzuanzua@hotmail.com ou
kanzuanzua@yahoo.com.br

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24.4.07
sabedoria aos 90 anos
A sabedoria que ronda um senhor de noventa anos, personagem de Gabriel García Márquez.

"Virgens sobrando nesse mundo só os do seu signo, dos nascidos em agosto."

"Minha idade sexual não me preocupou nunca, porque meus poderes não dependiam tanto de mim como delas, e quando querem elas sabem o como e o porquê."

"A maior força invencível que implusionou o mundo não foram os amores felizes e sim os contrariados."

"Minha única explicação é que da mesma forma que os fatos reais são esquecidos, também alguns que nunca aconteceram podem estar na lembrança como se tivessem acontecido."

"A idade não é a que a gente tem, mas a que a gente sente."

"Se envelhece mais pior nos retratos que na realidade."

"Não se engane: os loucos mansos se antecipam ao porvir."

"Fique sabendo, Delgadina, a fama é uma senhora muito gorda que não dorme com a gente, mas quando a gente desperta ela está sempre olhando para nós, aos pés da cama."

"O sexo é o consolo que a gente tem quando o amor não nos alcança."

"Desde então, comecei a medir a vida não pelos anos, mas pelas décadas. A dos cinquenta havia sido decisiva porque tomei consciência de que quase todo mundo era mais moço do que eu. A dos sessenta foi a mais intensa pela suspeita de que já não me sobrava tempo para me enganar. A dos setenta foi temível por uma certa possibilidade de que fosse a última. Ainda assim, quando despertei vivo na primeira manhã dos meus noventa anos na cama feliz de Delgadina, me atravessou a idéia complacente de que a vida não fosse algo que transcorre como o rio revolto de Heráclito, mas uma ocasião única de dar a volta na grelha e continuar assando-se do outro lado por noventa anos a mais."

(Gabriel García Márquez. Memória das minhas putas tristes. 13 ed. Record, 2006)

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21.4.07
1º mandamento
"Amar, Senhor, a vós antes da própria vida é uma contradição em termos. Concedei-ma, Senhor – a contradição, porque a vida e os termos já mos concedestes."

Paulo Briguet
http://briguet.tipos.com.br/

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19.4.07
loiras e morenas
O trecho a seguir não expressa necessariamente a minha visão sobre o tema. Mas devo confessar: é muito interessante!

_ Você acha que existe uma diferença entre as louras e as morenas? - disse Bertlef, visivelmente cético em relação à experiência feminina do doutor Skreta.

_ Acredito! - disse o doutor Skreta. - Os cabelos louros e os cabelos pretos, são os dois pólos da natureza humana. Os cabelos pretos representam a virilidade, a coragem, a franqueza, a ação, enquanto os cabelos louros simbolizam a femininilidade, a ternura, a fraqueza e a passividade. Portanto, uma loura é na realidade duplamente feminina. Uma princesa não pode deixar de ser loura. É também por essa razão que as mulheres, para serem femininas o máximo possível, pintam os cabelos de louro e nunca de preto.

_ Fico muito curioso em saber como é que os pigmentos exercem sua influência sobre a alma humana - disse Bertlef em tom interrogativo.

_ Não se trata dos pigmentos. Uma loura se adapta inconscientemente a seus cabelos. Sobretudo se essa loura é uma morena que se pintou de loura. Ela quer ser fiel à sua cor e comporta-se como um ser frágil, como uma boneca frívola que exige ternura e serviços, galanteria e uma pensão alimentar, ela é incapaz de fazer o que quer que seja por conta própria, por fora toda a delicadeza e por dentro toda a grosseria. Se os cabelos pretos se tornassem uma moda universal, seguramente viveríamos melhor neste mundo. Seria a reforma social mais útil que se poderia fazer.

(Milan Kundera. A valsa dos adeuses. Nova Fronteira, 1989.)

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7.4.07
valor e nobreza
Uma passagem do "O Velho e o Mar " de Ernest Hemingway.

É um peixe enorme e tenho de dominá-lo. Não posso deixar que ele compreenda a força que possui, nem o que poderia fazer se aumentasse a velocidade. Se eu fosse ele, reuniria todas as minhas forças e começaria a correr com toda a velocidade até que qualquer coisa se partisse. Mas, graças a Deus, não são tão inteligentes como nós, nós que o matamos, embora sejam mais nobres e mais valiosos.

O livro conta a história de um velho pescador que estava a oitenta e quatro dias sem pescar absolutamente nada, e, por isso, era alvo de zombaria por parte dos pescadores mais jovens e de pena dos mais velhos. Contudo, confiante, no octagésimo quinto dia lançou-se ao oceano e pescou o maior peixe por ele já visto em toda a sua vida de homem do mar, permanecendo por três dias em árdua luta para dominar o grande peixe. A passagem acima transcrita se dá nas vias do duro combate.

O livro como um todo, e principalmente por seu final - a mim surpreendente - é digno de ser chamado de best seller. E essa passagem em especial chamou a minha atenção pela seguinte frase: "Mas, graças a Deus, não são tão inteligentes como nós, nós que o matamos, embora sejam mais nobres e mais valiosos". Aqui Hemingway contrapõe a inteligência do homem à nobreza e valia do peixe.

Fiquei pensando na tal de "nobreza" e "valia", objetos buscados por todos nós. Tenho por nobreza uma idéia mais atual, não o estereótipo provindo dos reis, rainhas e fidalgos, e sim como uma posição de preeminência, a possessão de um título garantidor de respeito e privilégios. Desse modo, o chefe do tráfico em uma favela é um nobre frente aos seus subordinados (tirando o aspecto da cultura num sentido estrito do termo, não vejo diferença entre traficantes, reis, duques, condes, etc).

Por valia, entendo o "preço" dado ou pago por algo, por aquilo que é, tem, faz e proporciona. Preço no sentido de importância dada, não apenas mediante a valoração em dinheiro (pois esse é apenas uma expressão simbólica da importância dada algo), mas também visto em forma de cuidado e desejo de possuir. E todos buscamos ser valiosos, sentir-nos importantes para, cuidados por, e desejados de alguém, diante daquilo que somos, temos, fazemos e proporcionamos.

Note que a nobreza e valia é dado a nós por outros. Se somos nobres é porque o somos em relação a alguém; e somos valiosos porque assim alguém nos considera.

Para o velho pescador de Hemingway, todo o seu valor e posição dentre os demais pescadores dependia da quantidade e qualidade de sua pesca, de sua atividade de pescador. Quanto mais peixes pescava, e quanto melhor a qualidade do pescado, mais posição e valor galgaria entre os seus. Daí decorrer o fato de que ficar oitenta e quatro dias sem fisgar um peixe torna-o motivo de chacota e pena.

Por isso o velho considerar o peixe mais valioso que a inteligência do homem. Afinal, de nada adianta ser inteligente se o que dá valor ao pescador é o peixe. Nesse sentido, o maior filósofo ou cientista não é ninguém para um pescador se não for capaz de pescar.

Contudo, perceba a sutileza da frase de Hemingway "não são tão inteligentes como nós, nós que o matamos, embora sejam mais nobres e mais valiosos". Os peixes são mais nobres, porém, a inteligência faz com que os homens se sobressaiam, matando os peixes. E é por matar os peixes que os homens se tornam nobres e valiosos. A nobreza e valia do pescador depende da conquista daquilo considerado nobre e valioso.

Refleti sobre tudo o que fizemos para alcançar a nobreza e ser tido como valiosos. A grande parte de nós deseja ocupar um lugar de destaque entre os demais, e todos nós temos a necessidade de nos sentirmos valiosos. Concluí que no mais das vezes, a busca por essas duas coisas nos fazem mais mal do que bem. Isso porque o valor e a nobreza como já disse, são dado por outros. E para conquistá-los, desconfiguramos a nós mesmos, nos tornando outros, e às vezes "os outros", apenas para obter a aprovação dos demais. (a muito tempo já escrevi sobre isso aqui)

O velho conseguiu chegar na praia apenas com carcaça do peixe, pois durante o retorno foi atacado por tubarões que deixaram intacta apenas a cabeça do grande peixe. Ao velho sobrou apenas as mãos machucas, as costas doídas, o cansaço de três dias sem dormir, a espinha do peixe e a história para contar. Haveria de ter-se conformando com sua falta de sorte (e com sua falta de valor e perca de status), se não fosse o jovem rapaz, ao qual ensinara a pescar desde menino, dedicar-lhe todo o seu amor demonstrando que o valor do velho não estava no grande peixe, mas nas lições que lhe ensinara, e a posição de maior destaque do velho não se encontrava entre a nova geração de pescadores, mas no coração e história do jovem. Assim marcaram uma nova pescaria logo que o velho se recuperasse.

Temo que minha vida esteja mais direcionada para aquilo que pessoas dizem ter valor e lugar considerado nobre. Temo estar apostando todas as minha fichas em algo que não tenho certeza de deseja-lo, apenas por dizerem assim ser o correto. Temo que as pessoas não saibam o que realmente tem valor e digno de ser chamado nobre.

Temo nunca ocupar o lugar no coração e história de alguém, por dizerem ser mais importante pescar muito, e, se possível, os maiores peixes. Isso muitas vezes me faz esquecer de que o melhor de mim está e permanecerá para sempre com as pessoas que amo, enquanto dos peixes, sobrará apenas a carcaça.

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6.4.07
para junto de mim
Imagino você, durante a sua viagem
indo ao encontro de outro; este que não sou eu.
Fico agora só, e apenas pensando bobagem.
Desejando ardentemente algo (o teu amor) que não é meu.

És de outro, sei bem disso.
Nem sei se reparas em mim, pois tem outro compromisso.
Mas eu bem sei: te desejo, e não controlo isso.
E por ficar calado, sei sim, escondo tudo e me torno omisso

Confesso: gostaria que você viajasse
mas para junto de mim, para estar comigo.
E como eu, incontrolavelmente desejasse
Ser um no amor - você comigo e eu contigo.

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1.4.07
juventude e velhice
Um trecho de "Gertrud", de Hermann Hesse, no qual o pai de Kuhn fala-lhe sobre a diferença entre a juventude e a velhice.

Eu penso que, na vida, é possível estabelecer-se um limite preciso entre a juventude e a velhice. A juventude acaba quando acaba o egoísmo, e a velhice começa quando se começa a viver para os outros.

Entendo isso do seguinte modo: os jovens têm, em sua vida, muitos prazeres e muitos sofrimentos, porque vivem somente para si mesmos. Então, todo o desejo e toda a idéia que vêm na cabeça são importantes, saboreia-se todo o prazer ou amarga-se todo o sofrimento, até o fim, e há mesmo quem, não julgando seus desejos realizáveis, atire a vida fora. Isso é próprio da juventude.

Para a maioria dos homens, no entanto, chega um tempo em que essa atitude muda e em que passam a viver mais para os outros, não por virtude, em absoluto, mas muito naturalmente. Com a maioria, é a família que o determina. A pessoa, quando tem filhos, pensa menos em si e nos seus desejos. Outros perdem o egoísmo em prol de um cargo, da política, da arte ou da ciência.

A juventude quer divertir-se, a velhice, trabalhar. Ninguém se casa só para ter filhos, mas, uma vez que os tem, eles o modificam e, no fim, ele percebe que tudo, com efeito, acontecera somente em função deles.

Isso prende-se ao fato de que a juventude, sem dúvida, gosta de falar da morte, mas nunca pensa nela. Com os velhos, dá-se o contrário. Os jovens julgam que vão viver eternamente; daí poderem reportar a si mesmos todos os seus desejos e pensamentos. Ao contrário, os velhos já perceberam que, num ponto qualquer, existe um fim e que tudo o que alguém tem ou faz só para si mesmo, acaba por cair no vazio e por ter acontecido em vão. Assim necessitam de outra eternidade, bem como da crença de que não estão trabalhando unicamente para os vermes. Para isso existem mulher e filhos, atividades e cargos e pátria: para saber-se por quem é afinal de contas que suportamos a lida e o desgaste e as aflições cotidianas.

Nesse ponto, teu amigo tem toda a razão: a pessoa está mais contente quando vive para os outros do que quando vive para si própria. Só que os velhos não deveriam fazer tanto alarde disso, como de uma sorte de heroísmo, que não é. E, ainda, verifica-se que os melhores dentre os velhos provêm dos jovens mais vivos e não daqueles que já se portam como avôs nos bancos da escola.

(Hemann Hesse. Gertrud. 2ª ed. Civilização Brasileira, 1972)

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