28.9.07
não é como deveria ser




Viver é algo doloroso para mim. Todos os dias sinto uma profunda dor na alma. Sinto-me sufocado pela vida, por essa vida, particularmente pela vida que vivo. Sofro pois não vivo a vida que gostaria. Sofro por não saber como gostaria de viver. Sou uma pessoa frustada.




Sou frustrado desde que percebi o erro da minha primeira grande decisão tomada sobre os rumos da vida. Tinha 17 anos quando a fiz. A partir dessa, todas as minhas escolhas parecem ser erradas. Fico cada vez mais preso no erro e quanto mais tento desfazer o nó da vida, mais firme ele parece ficar.

Sou frustrado porque percebi não ter uma identidade própria. E essa foi uma constatação tardia, pois a identidade forjada para mim é muito forte. Não consigo desconstruir um rafael forjado em mitos, em idealizações, em expectativas. A minha culpa foi sempre ter ficado calado.

Sou frustrado pois descobri a vida muito tarde. Por nunca ter enfrentado algumas questões como deveriam ter sido tratadas e ter sempre reprimido tudo em nome do rafael construido pelos outros. Deixei de viver para dar vida a uma imagem.

Sou frustrado porque vejo concretizar-se em minha vida um ditado sempre dito pela minha avó: "deus da asas para quem não sabe voar". Tenho sérias dúvidas quanto ao fato de eu ter asas, e quando considero a possibilidade de tê-las sofro por não utilizá-las. Continuo preso ao solo e mesquinho, pois nem mesmo em sonhos almejo alcançar o céu.

Sou frustrado pois nunca tive sonhos. Até os tive, mas não eram meus. Eram de outros. Sonhei sonho de outros e agora não sei se tenho sonhos ou apenas fujo de pesadelos.

Sou frustrado porque não conheço o mundo. Fico dentro de um apartamento a maior parte do tempo. Raramente saio. Moro a seis anos numa cidade e posso contar nos dedos os lugares por mim frequentado. Agora o mundo me parece grande demais e impossível de ser conhecido.

Sou frustrado pois não tenho iniciativa própria. Sou passivo. Até hoje nunca fiz da minha vida o que realmente quis. Sempre fizeram por mim. Nunca briguei, sempre brigaram no meu lugar. Nunca levantei sozinho, porque nunca me deram a chance de cair. Sou extremamente mimado.

Sou frustrado pois ninguém me conhece. Cultuam a imagem de um rafael irreal. Tenho o azar de sempre ser visto fazendo as coisas certas e nunca as erradas. Maldita sorte que alimenta ilusões sobre mim.

Sou frustrado. Sim, sou frustrado pois descobri não ser nada daquilo do que dizem, que minha vida não é como pensam, que vivi até hoje a custas dessas expectativas e ninguém parece enxergar como realmente sou.

Sou frustrado desde minha primeira decisão na vida, a qual me colocou num caminho de onde não consigo encontrar retorno.

Sou frustrado porque descobri a vida tarde e a tardança não tem perdoado o tempo mal aproveitado.

Sou frustrado pois em cada manhã surgida minha maior expectativa não se concretiza: que o mundo tenha chegado ao seu termo.

Pelo menos o meu mundo.

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posted by rafael at 19:47 | Permalink | 14 teste tua chave
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27.9.07
difícil decisão
peço?

penso
pênsil
pensado
[passado]

peço?

(a)pelo
pelejo
pelado
[padeço]

peço?
[penso]



imagem: Man with hand over ears and close-up - Imagezoo / Images.com
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posted by rafael at 12:19 | Permalink | 7 teste tua chave
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26.9.07
a salvação está no outro (III)
Se Deus é amor, só pode ser verdadeiramente conhecido através da experiência do amor. Todo amor procede de Deus de algum modo, e portanto, todo amor revela Deus de algum modo (1Jo 4.7). A experiência pode ser instantânea ou paulatina, viva ou apenas perceptível, mas sua realidade e sua autenticidade se mede sempre pela mudança que provoca em nossa relação com os outros (1Jo. 3.14).

É por isso que Jesus cita o amor ao próximo como o segundo grande mandamento. Se no primeiro grande mandamento Jesus resume os três primeiros preceitos do decálogo, nesse segundo Jesus inclui o restante. Na passagem de Mc. 12.28.34, Jesus fala pela segunda vez sobre o grande mandamento. A primeira no livro do evangelista, ocorre no cap. 10.17-19. E vale destacar a diferença.

Em Mc. 10.27-29 Jesus cita somente os mandamentos éticos contidos no decálogo. A condição é, pois, não causar prejuízo a ninguém, manifestação mínima do amor; ela corresponde à regra de conduta proposta pelos doutores judeus como compêndio da lei, que interpretava o mandamento do amor ao próximo de modo puramente negativo: “não faças ao outro o que não quererais que façam a ti”. Aqui, a ênfase está no respeito ao próximo, que mostra já certa responsabilidade pelo bem-estar; a pessoa não deve contribuir para o aumento da injustiça no mundo.

Por sua vez, em Mc. 12.38-34 Jesus acrescenta o mandamento resumo de Lv. 19.18: “Ama a teu próximo como a ti mesmo”. A lei não é mais formulada aqui de forma negativa, como faziam os doutores, mas de forma positiva. Essa forma positiva deve ser interpretada em sentido ativo, na atividade em favor do próximo; atividade que não põe em perigo o próprio bem-estar.

Frei Betto, sacerdote católico ao comentar sobre a proibição feita por Deus sobre a confecção de imagens para a adoração diz:

"Os profetas, ao condenarem essa tentação do povo (de construir imagens), queriam dizer algo muito simples: 'Se querem louvar e servir a Javé, façam-no na única imagem Dele que Ele nos concedeu, que é o próximo. É muito cômodo adora-lo na montanha, no bezerro ou no carvalho, difícil é serví-lo a adorá-lo no próximo, a imagem e semelhança de Javé'. Louvar a Javé é louvar a criatura, criação do Senhor. Reconhecer essa criação é, como dizia Jesus, fazer a vontade do Pai, que é a prática da justiça, e não a louvação como abstração, coisa em si, que prescinda a mediatização do próximo."

A insegurança da salvação, conseqüência da idéia de Deus ambíguo, atormenta o ser humano e paralisa sua ação. Se ele não está seguro do amor de Deus, tem, por conseguinte, insegurança de sua salvação futura e concentra seu esforço e sua energia na solução deste problema crucial. Vive angustiado, dependente de si mesmo e preocupado com seu destino. Não tem tempo para dedicar-se aos outros.

Quando Jesus assegura ao ser humano que Deus não é problema e que pode contar sempre com seu amor, descentraliza a pessoa de si mesma e a liberta para que possa dedicar suas energias a amar aos outros.

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posted by rafael at 00:30 | Permalink | 4 teste tua chave
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24.9.07
a salvação está no outro (II)
A ruptura da visão de Deus como um soberano que impões sua vontade aos súditos é feita mediante a instauração de uma nova visão da relação do humano com Deus: não mais de soberano-súdito, mas de Pai e filho. A nova relação Pai-Filho entre Deus e o humano a que Jesus convida, apresenta Deus como princípio de vida e de amor que se comunica ao humano, e a este como destinado a assemelhar-se cada vez mais a Deus, seu Pai. Nesta perspectiva, Deus não se impõe ao humano de fora para dentro, como era o caso do Deus da lei, mas fortalece o humano interiormente.

O desígnio de Deus não se expressa mais com mandamentos externos, alheios ao próprio humanidade, e sim exaltando a aspiração congênita do humano pela sua própria plenitude, cuja meta é a perfeita semelhança com o Pai, que assimila a condição divina de Jesus, o Filho. O desígnio de Deus coincide assim com o anseio profundo do ser humano. Como conseqüência, para Jesus o pecado consiste em impedir, seja lá de que maneira for, a realização do desígnio divino: a plenitude humana.

Essa plenitude humana é bem caracterizada na fala de Jesus, quando esse elenca todas dimensões do ser humano que devem estar voltadas para o amor a Deus. Ao falar do coração, Jesus se refere a pessoa, ao ego que pensa, sente e deseja, com especial atenção à responsabilidade dele diante de Deus. A alma, aqui falada por Jesus, se refere à totalidade da existência e da vida humana, com a qual se preocupa e há cuidado constante, como ele expressa em Mt. 6.25.

Também, Jesus chama o ser humano ao conhecimento de Deus na totalidade de seu entendimento, que também pode ser traduzido por inteligência. Cabe frisar que inteligência não se resume apenas ao total de conhecimentos que uma pessoa adquiriu, mas também a capacidade de aprender e de adaptar-se satisfatoriamente a novas situações e ao ambiente em geral . E amar de toda a força implica em utilizar-se de todo o poder, de todas as energias, sejam essas físicas ou mentais, para se chegar a Deus, independentes dos obstáculos que se opõem a tal objetivo.

Desse modo, Jesus transforma a concepção de pecado: não é mais a transgressão a lei, mas tudo aquilo que reprime a vida é pecado. Jesus comunica sua experiência de vida e revela ao ser humano o valor supremo da mesma, estimulando-o a desenvolver ao máximo sua capacidade de amar.

A experiência do amor se concretiza na mudança da relação com Deus, consigo mesmo e com o mundo. A nova relação de Deus como Pai confere, além da liberdade, a segurança interior, visto que o Pai é puro amor e está sempre a favor do ser humano.

A nova relação consigo mesmo decorre da aceitação da própria realidade pelo ser humano e na ampliação de seu horizonte existencial, que o define como Filho.

A nova relação com os outros se baseia no fato deles também ser alvo do amor do Pai.

continua

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posted by rafael at 22:35 | Permalink | 3 teste tua chave
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23.9.07
a salvação está no outro (I)
Uma longa meditação sobre o Evangelho de Marcos 12:28-34, dividida em três grandes partes.

Na tradição judaica, o relato da criação afirma a relação de “imagem e semelhança” (Gn. 1.26) entre o humano e Deus. Esta afirmação atenuava o conceito de transcendência divina. Deus não era o totalmente distante nem o absolutamente desconhecido; de certa maneira podia ser conhecido através do próprio humano.

A idéia da imagem e semelhança que aproximava Deus do humano e dignificava este foi paulatinamente esquecida. O judaísmo insistiu sempre na transcendência divina, isto é, na distância entre Deus e o humano. Este foi considerado sempre mau, indigno e um enorme pessimismo sobre a natureza humana constituía a nota característica e dominante da religião no tempo de Jesus.

A idéia derivante e cristalizada na teologia farisaica era a de um Deus distante e exigente, que olhava com benevolência os que observavam seus inúmeros preceitos e abominava e castigava os que não lhe obedeciam com minuciosa fidelidade. O povo doutrinado por seus dirigentes religiosos conservava a imagem do Deus distante, ciumento, cioso de sua soberania e objeto de temor.

É nessa perspectiva que se dá o encontro entre o escriba, também chamado de mestre da lei, com Jesus. Era o encontro para mais um confronto entre os defensores de Deus e um perturbador da ordem religiosa e social. A intenção do primeiro era revelar para o povo que Jesus não era o mestre que eles tanto aclamavam e que todos os seus ditos estavam indo contra as leis religiosas da época. Fica evidente esse desejo do escriba quando formula sua pergunta para Jesus. A lei, apesar da proibição do decálogo, era o objeto de veneração do alto escalão da religião judaica.

Interessante nessa passagem é a atitude de Jesus frente a pergunta. Em outros momentos de confronto com os doutores da lei, Jesus rebatia a questão com uma outra questão (cf. 11.28-30; 12.14-16). Nessa passagem, Jesus não devolve a pergunta, mas reponde-a, visto que entendia a importância dos mandamentos, ainda mais quando se questionava sobre o principal.

E talvez a palavra “principal” tenha levado a Jesus a responder de pronto. A lei continha o chamado código de santidade ou de pureza em virtude do qual, para manter a relação com Deus, era necessário precaver-se do contato com toda a realidade considerada impura. Desta exigência decorria um sem número de normas para garantir a pureza e de ritos para eliminar a impureza, fazendo com que a lei se tornasse o centro da vida religiosa em detrimento do relacionamento com Deus.

A lei, convertida em centro da vida religiosa, levava a conceber a relação com Deus em termos de obediência e não como entrega filial ou de fidelidade por amor. Deus se transformou no amo ou senhor que inspeciona o procedimento de seus servos. A relação vital com ele passa a ser jurídica e a experiência de Deus cede lugar ao ensinamento de um código.

Em várias passagens, Jesus censura os fariseus por causa do seu legalismo, que contradizia até mesmo as escrituras. Em Mc. 2.26 ele enuncia um princípio: o humano não é escravo do preceito, mas o preceito é dado para servir ao bem do humano. Retomando a concepção de “amaras, pois, o Senhor teu Deus”, Jesus quebra com a visão de Deus como um soberano que, por meio de seus preceitos, impunha sua vontade aos seus súditos. Essa concepção construia um conceito de pecado como transgressão da vontade divina, que sustentava toda a estrutura legalista da época.

E é justamente contra o desvio da concepção relacional com Deus, que Jesus retoma o primeiro mandamento.

continua

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posted by rafael at 01:55 | Permalink | 4 teste tua chave
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21.9.07
poetifazendo-se-me
ser poeta? não
quero o poeta sendo.


poetizar? não
quero poetizando

fazer poesia? não
quero poesia se fazendo-me


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posted by rafael at 12:08 | Permalink | 6 teste tua chave
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20.9.07
levar o mundo a sério
Cada dia mais levo menos o mundo a sério.
Principalmente por não saber quem é mais louco....

Mas faça a si mesmo uma pergunta: por que dizer a verdade? O que nos obriga a isso? E por que devemos considerar a sinceridade uma virtude? Suponhamos que você encontre um louco que afirme que é um peixe e que todos nós somos peixes. Você vai brigar com ele? Vai tirar a roupa diante dele para mostrar que não tem nadadeiras? Vai lhe dizer na cara o que pensa? Vamos, responda!

O irmão calou-se, e Eduardo continuou: - Se você lhe dissesse apenas a verdade, o que realmente pensa dele, isso significa que estaria concordando em ter uma discussão séria com um louco e que você mesmo é louco. Pois bem, é exatamente a mesma coisa com o mundo que nos cerca. Se você teima em lhe dizer a verdade de frente, isso significa que você o leva a sério. No meu caso, veja só, eu tenho que mentir para não levar a sério e para eu mesmo não ficar louco.

Milan Kundera, Eduardo e Deus. In: Risíveis Amores, Nova Fronteira, 1985.

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posted by rafael at 12:27 | Permalink | 15 teste tua chave
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18.9.07
desejo imediato de primeiro grau....

abandonar a razão e ser todo libido
estando possuído por uma paixão irracional
tornar-me escravo de lábios com o sabor do pecado
permanecendo perdido num corpo enfeitiçado pelo prazer





(estou precisando de férias!!!! Alguém mora a beira mar??)
imagem:Man and woman passionately kissing - altrendo images
http://www.gettyimages.com

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posted by rafael at 19:24 | Permalink | 12 teste tua chave
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17.9.07
sou um eterno perseguidor de mim
O tempo está me consumindo. Mas durante esses dias de presença-ausente desse canto da net a Paola, a Cris Martins e as Pererecas levantaram a estima do Aletômetro ao certificá-lo como um dos melhores momentos virtuais. Gostaria de ter transferido os elogios que acompanharam a indicação, mas seria demais né!? Vou aproveitar o momento e atender o pedido da Sandra para responder a questão "Por que eu blogo?". E para tanto, revisitarei um antigo texto. A você, minha terna gratidão pela vida doada a essas palavras.



6/11/2006 22:28:39 rafael: nossa, to muito blogueiro, nem eu me conformo com isso
6/11/2006 22:28:51 Renata: to vendo!
6/11/2006 22:28:55 Renata: qq tá acontecendo?
6/11/2006 22:29:04 Renata: falar nisso, eu comentei o teu outro dia
6/11/2006 22:29:12 rafael: e eu respondi
6/11/2006 22:30:48 rafael: xxxxx tbm tem blog
6/11/2006 22:30:50 rafael: uahuuhauahah
6/11/2006 22:31:25 Renata: huuhahuahuauha
6/11/2006 22:31:32 Renata: esse povo num tem mais oq fazer
6/11/2006 22:31:51 rafael: ah, eh legal ter blog
6/11/2006 22:32:11 Renata: eu seeeeei...mas demanda certo esforço
6/11/2006 22:32:26 rafael: muuuuuuuuuito esforço

Anunciei a alguns textos atrás a minha aposentadoria do blog. Foi numa época de enclausuramento pessoal. Cancelei orkut, gazzag e outro blog. E no momento de excluir este aqui fui acometido pela reflexão. Não cabe dizer todos os motivos pelos quais quisera eu sumir da internet. Apenas farei uma tentativa de encontrar os motivos de eu aqui permancer. Obviamente essa é uma reflexão diacrônica, pois estarei olhando daqui para o passado, e certamente o dito agora não estava presente (ou não era claro) naquele momento.


O nome de batismo do blog, o qual ainda consta no endereço, é "porão da alma". Meu interesse em começar escrever se pautava na necessidade de revelar a outros o misterioso universo contido em mim. Quem me conhece "olho a olho" sabe do fato de eu não ser afeito a compartilhar minha vida. Mas todo balão esvazia ou estoura. E antes de estourar resolvi encontrar um meio para deixar vazar algumas coisas. Se você passear rapidamente pelo histórico verá os altos e baixos pelos quais passei até aqui.


Logo nos primeiros textos notei algo intrigante. Sacramentado o último ponto, as palavras retratavam um alguém desconhecido. De pronto recordei de Michael de Montaigne quando disse escrever para deixar um retrato de si para seus amigos. E meus textos se transformaram num retrato de mim para eu mesmo. Leio e releio por vários dias os textos (talvez eu seja o maior frequentador desse espaço) tentando conhecer essa pessoa retrada em cada linha.


Não raras vezes perguntaram se eu estava bem após a leitura de alguns textos. No mesmo instante parava, me perguntava se estava bem, e para responder recorria aos textos para ver quem eles revelavam. E assim descobri: escrever é uma forma de estar comigo mesmo, ou como diz Alberto Caeiro "Ser poeta não é uma ambição minha, é a minha maneira de estar sozinho."


Em algumas ocasiões - vamos lá! na maioria delas - o reflexo das palavras não são da minha pessoa, mas alguém por quem procuro apaixonadamente. Escrevo para alguém que amo, e esse alguém encontro a cada ponto final. Contudo, não sou eu, mas outro nascido no contorno das palavras. Escrevo para alguém que amo e descubro estar buscando amar a mim.


Agora o blog se chama "Aletômetro", pois ele é justamente um "medidor de verdade"; a verdade sobre quem sou. Se não parei de escrever foi justamente por isso: desejo conhecer quem sou, ou quem não sou, ou quem eu sou e não sou, ou quem não sou e sou.


Sim Renata, manter um blog, no meu caso, demanda muito esforço. Pois desejo amar eternamente a esse outro rabiscado nas palavras, talvez um eterno desconhecido por ser um eterno fugitivo, deixando eu fadado a ser um eterno perseguidor de mim.

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posted by rafael at 01:32 | Permalink | 8 teste tua chave
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15.9.07
Fugaz
Há dias
que me resta apenas chorar
para não falar
para não pensar
como forma de orar

Deixar lágrima por lágrima cair
sem pressa para um novo sorriso surgir
sem pressa para um novo momento curtir
em silêncio, contemplando a fugacidade do existir

Chorar, e ao mesmo tempo rir
Rir, porque fugaz é chorar
Chorar, porque muito mais fugaz é rir
Pois a vida, ao invés de gastar tempo em alegrar
Parece ocupar-se muito mais com a tarefa de ferir

Mas existir é fugaz
Assim como chorar
Assim como sorrir

(versos sem pretensão poética. apenas rimas pobres e soltas, como a balbúrdia existencial)
imagem: Happy and Sad male faces - Jim Dandy
www.gettyimages.com

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posted by rafael at 10:45 | Permalink | 9 teste tua chave
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11.9.07
amar é também estar em conflito
"As pessoas acham que amar é simples, mas que encontrar o objeto apropriado para amar - ou ser amado por ele - é díficil". Essa constatação foi feita por Erich Fromm e concordo com ele. Penso que o desafio não está na busca por alguém, mas no ato amar.

Diferente do desejado por nós, o amor não é um rio de águas mansas. Ao contrário, está mais próximo de um rio de corredeiras violentas. Pensamos o amor como um estado de completa paz e serenidade. E até acredito que o seja. Contudo, é uma paz sempre tensa e uma serenidade ameaçada pela intranqüilidade. Amar é como uma sinfônia: a harmonia surge do conflito entre as notas. Amar é também estar em conflito.

Conflito é ausência de amor, mas amor não implica na ausência do conflito. Mesmo porque o amor não pressupõe um ambiente somente fraterno. Também pressupõe o não- amor, ou seja, o conflito.

Amor pressupõe a existência do conflito, mas diferencia-se desse por tomar a iniciativa de superá-lo. A iniciativa acontece no movimento de sair "de" em direção "a". É deixar o que é conhecido para caminhar em direção ao desconhecido. É partir da segurança para a insegurança.

Amar é um movimento de abertura: sair do estado em que se tem controle da situação devido ao conhecimento desta, para ir ao conflito, um estado de controvérsias onde não há respostas prontas, e sim a incerteza e o desconhecido. É desejar ser aceito estando cônscio da possibilidade da rejeição. É uma esperança encharcada de incerteza.

Amar é perceber o outro que existe fora de si e permitir que a sua história invada a minha "privacidade histórica". Ocorre o conflito das histórias particulares. E ocorre o amor quando há o interesse de superar as diferenças históricas, não a partir de sua eliminação, mas na criação de espaços onde elas possam conviver harmoniosamente, inaugurando "uma" e "nova" história.

Amar é compartilhar o palco da vida. "O espaço de vida é algo que as pessoas se concedem mutuamente, quando se abrem um ao outro em amor e permitem que um participe da vida do outro. Amar também significa: conceder tempo e ceder espaço e ter paciência uns com os outros, porque um está interessado no outro."
(Jürgen Moltmann, A fonte da vida, Loyola, 2002)

Amar é também estar em conflito, pois é transcendência e imanência: é sair de si doando-se a outro e permitir que o outro, com sua vida e sofrimento, invada a mim.



Erich Fromm. A arte de amar, Martins Fontes, 2000.

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posted by rafael at 00:01 | Permalink | 15 teste tua chave
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7.9.07
....mas a palavra vivifica







Não [mais] direi que te esqueci.
As palavras vivificam-te.
Por isso matar-te-ei;
calando,
sofrendo,

esquecendo.



imagem: Portrait of a man with padlock on mouth - Tim Jonke
www.gettyimages.com

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posted by rafael at 01:55 | Permalink | 15 teste tua chave
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independência ou morte?
Não pude escrever algo, mas divulgo a iniciativa da Veridiana em movimentar mais essa blogagem coletiva


Visite o 30&Alguns e prestigie lendo e contribuindo.

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posted by rafael at 00:01 | Permalink | 1 teste tua chave
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5.9.07
como é que você escreve?
A pergunta é fruto da curiosidade do Adão e da Paola. E não irei deixá-los sem resposta.

Ter idéias para escrever, ou para qualquer outra atividade, exige o esforço de refletir sobre o mundo a nossa volta. E para mim, reflexão é sinônimo de estar admirado pela vida e deixar-se embriagar pela sua beleza e mistérios. É como a paixão de adolescência que consome toda nossa imaginação, sentimentos e razão, deixando-nos cativos da pessoa amada e levando-nos a ter várias idéias a respeito dela.

A idéia. Meus textos nascem a partir de um estranhamento ou admiração causada por um conceito ou palavra, em alguma leitura ou quando estou comigo mesmo. A idéia começa a formar-se depois de atingir meu corpo: sombracelhas franzidas quando ocorre estranhamento; um suspiro ou sorriso na ocorrência da admiração.

O processo. Tendo a idéia, parto para o diálogo comigo mesmo. Sempre procuro confrontar o óbvio, mesmo que ao final o óbvio seja a resposta. Acrescento, retiro, invento, inverto, reverto. Gosto de pensar as possibilidades, os limites, as transformações, as críticas. Argumento, pergunto, respondo, pinto, rasgo, rabisco. E sinto. Principalmente sinto a idéia caminhando aqui dentro. O sentimento de estranheza ou de admiração é sempre presente. Algumas vezes preciso escrever a mão e visualizar no papel; em outras, preciso dizer em som audível para sentir a sua força. Preciso sentí-la, vê-la, ouví-la.

A chegada. As idéias ficam rodando sem rumo dentro de mim. As que causam estranhamento são as mais perdidas. Não concordo, mas "não sei porque". Algo me diz que "não é assim" ou que "poderia ser diferente", mas ainda não sei que algo é esse. Isso acontece pelo fato de eu não conseguir ver a parte independente do todo. Daí decorrer muitos textos longos para um blog, pois eu preciso localizar a idéia dentro do conjunto da obra. É como um jogo de xadrez: preciso registrar cada movimento feito por mim. A idéia encontra seu norte quando descubro o "por que" do estranhamento. E descoberto, crio o mapa para a resposta. As idéias que causam admiração tem um processo um pouco diferente, visto elas ter um caráter menos "racional", por ser motivadas pelo "sentimento". Essas geralmente encontram rapidamente seu caminho. Na verdade, o caminho é uma trilha qualquer para um destino qualquer.

O cenário. A minha atividade de escrita é sempre solitária. Preciso estar só, no silêncio, ouvindo apenas a mim. Nada de luzes acessas pela casa, e de preferência tudo deve estar em ordem, limpo, para que eu me sinta confortável e sem incômodo algum. Não que eu seja fanático por limpeza, mas a ordem da casa é o reflexo do meu estado de espírito. Gosto de escrever no escritório, onde posso ver meus livros; minhas fontes de inspiração. Quando são textos longos e argumentativos, prefiro escrever direto no computador, pois assim a redação acompanha a velocidade do raciocínio, e se não estiver do meu agrado é mais fácil reescrever. Textos curtos e mais emotivos, escrevo a mão e na sala. Por ser um ambiente arejado, sinto maior liberdade, e escrevendo a mão me detenho mais cuidadosamente sobre cada palavra.

O texto. Finalmente a produção do texto. Tendo a idéia e o mapa para a resposta, deixo as palavras fluírem. Pego as primeiras que surgem, sem o rigor de seu significado e preocupação estilística. Nesse primeiro momento, ocupo-me apenas com a coerência e coesão do texto. Tendo-o grosseiramente pronto, parto para o acabamento. As correções ortográficas de praxe (que sempre deixam escapar algo); a troca de alguns termos para outros de sentido mais preciso ou maior expressividade, etc. Procuro sempre estabelecer um ritmo para a leitura, e isso depende do tema tratado, do gênero que utilizei e do sentimento que desejo causar no leitor. Releio várias vezes antes de publicar, e por vários dias depois de publicado. Estando ele no ar, a única mudança que me permito fazer é a correção ortográfica, porque depois do ponto final derradeiro, acredito que o texto é um "outro" sobre quem não tenho o direito de interfirir.

Respondendo a pergunta inicial acredito também ter esclarecido o porque não escrevo diariamente no blog. Pensar e escrever para mim é uma atividade que demanda tempo e zelo. Não gosto de verborragia: palavras não devem ser gorfadas, seja de forma oral, seja na forma escrita. Pois o mundo foi criado pelas palavras - "E disse deus: haja luz, e houve luz!" - e nossas palavras também criam mundos.

(todos somos um pouco deus, e um pouco feiticeiros)

Estou com Rubem Alves quando ele diz estar em busca da palavra que faz florescer o Paraíso que o esquecimento transformou em deserto dentro de nós. Estou em busca de palavras que tornem visíveis os sonhos, e que, quando ditas, transformam o vale de ossos secos numa multidão de crianças.
(lições de feitiçaria, Loyola, 2001)

É assim que eu escrevo.

leia também:

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posted by rafael at 02:00 | Permalink | 16 teste tua chave
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3.9.07
luz e sombra

A luz dispersa em sombras as densas trevas.

Mas há quem olhe somente as sombras,

tornando a vida em trevas,
duvidando da existência de luz,
que dispersa as trevas,
que cria as sombras,
que não são trevas,
e sim, a presença de luz.

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posted by rafael at 00:50 | Permalink | 9 teste tua chave
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