Hoje comprovei o que antes apenas achava: não sei mais ler histórias de qualquer tipo. Comecei a perceber isso enquano lia "Cem anos de solidão", do Garcia Márquez. Depois de lê-lo a duras penas, aventurei-me nas páginas de "Dom Quixote" mas fui vencido no décimo capítulo. Em seguida embarquei nas "Memórias Póstumas de Brás Cubas", mas desci logo que sua vida começou a ser narrada. Às portas do desespero, acompanhei Júlio Verne em "80 Graus, latitude norte", contudo fui deixado já no primeiro capítulo. Uma luz de esperança ressurgiu quanto caiu em minhas mãos outro livro do Garcia Márquez, uma reunião de contos, li três deles, porém foi como se nem o tivesse feito. O golpe de misericórdia foi dado por João Guimarães Rosa e seu conto "A terceira Margem do Rio", quando ao seu término minha reação foi: 'terminei!'.É até estúpida fazer tal afirmação, mas a culpa não é deles. Não que esses livros irão agradar a todos - outra afirmação estúpida. O estranho é o sentimento que sinto ao ler obras de caráter não-temático (texto temático: prepoderadamente abstratos, conceituais, com função interpretativa e que procuram explicar, ordenar e classificar as coisas do mundo. Dizendo de outro modo: textos frios, lógicos, calculistas, rígidos, mortos e sem abertura para imaginação). É o sentimento de não-ter-sentido. Esse é o meu problema. Procuro sentido (lógica, explicação) em algo que não se propõe a dar sentido. Fico frustrado por não encontrar a tese defendida, o argumento principal, as contradições internas e críticas externas.Meu consolo poderia ser que ainda leio alguma coisa. O problema é que pra mim consolo é conformidade, e esta é passividade, e ser passivo é o que mais odeio nas pessoas, e principalmente em mim. E também a questão não é "ler ou não ler", mas como a leitura tem revelado a mim para mim.Acho que motivo não conseguir conversar com Garcia Márquez, Miguel de Cervantes, Machado de Assis, Júlio Verne e João Guimarães Rosa, e também não compreender o Nietzsche do "Assim falou Zaratustra": para mim, as palavras estão na cabeça, enquanto para eles as palavras estão na dança dos corpos que fazem a vida.E ao falar desse modo, não poderia deixar de citar rubem alves:"Nietzsche disse que não conseguimos retirar dos livros mais do que temos dentro de nós. Escrevi sobre feitiçaria. Os leitores pescaram em minhas águas com as redes de que dispunham. Uns usaram as redes de ciência. Outros usaram as redes da ética. Não pegaram nada. Concluíram: 'nesse rio não há peixe'. Este livro são lições de feitiçaria. Estou em busca da palavra que faz florescer o Paraíso que o esquecimento transformou em deserto, dentro de nós".Se Nietzsche estava certo, e atualmente penso que sim, cheguei a seguinte conclusão: sou um texto prepoderadamente abstrato, conceitual, com função interpretativa e que procura explicar, ordenar e classificar as coisas do mundo. Dizendo de outro modo: texto frio, lógico, calculista, rígido, morto e sem abertura para imaginação.Preciso urgentemente ser preenchido por algo que vá além da abstração. Quem sabe um mergulho no cotidiano, no fútil e banal resolva o meu problema.Marcadores: biografia, reflexões