27.3.07
quando o sinal toca
Fui estudar na biblioteca, e, durante a hora do intervalo da escola que funciona no periodo diurno nas dependencias da faculdade na qual eu estava, não resisti ao desejo de pausar os estudos para observar através da janela as crianças brincando e fazendo seu lanche.

Nada de incomum no que tange a hora do recreio: meninos jogando futebol na quadra, meninas numa rodinha falando aos sussurros, as crianças mais novas brincando de menina pega menino e vice-versa, outros tantos dando cambalhotas na grama e descendo das mais diversas e criativas maneiras o pequeno morro forrado de grama : correndo, rolando, pulando, de bunda, de cabeça, de bunda e cabeça...

Mas o fato que mais chamou a minha atenção ocorreu no momento do soar do sinal dando termo ao intervalo. As crianças imediatamente deixaram todas as atividades de lado, disparando em bando para as salas de aula, como se estivessem correndo em direção à algum prêmio, como se fossem ser presenteadas ao largarem suas brincadeiras para novamente dedicarem-se ao estudos.

Observando o fato, de pronto me veio a memória os meus últimos anos de escola, e os atuais momentos de universitário. Recordei-me da escola, de como era doloroso ouvir o toque do sinal finalizando o intervalo, e como pesavam cada vez mais as pernas a medida em que a sala de aula ficava mais próxima, e da angústia por ter que assistir aquelas duas últimas aulas infindáveis, e, por estarem próximas da hora do almoço, tornavam-se quase eternas.

Na Universidade na qual estudo não há sinal, o que não significa ser melhor. Pelo contrário. Devido a isso, não há referência para os professores, e, como esses não consultam o relógio, ou encerram a aula demasiadamente cedo, fazendo-nos esperar muito pela seguinte, ou encerram demasiadamente tarde, deixando-nos muitas as vezes a pé no retorno para casa ou privando-nos do tão desejado happy hour.

Prática comum tanto nos meus últimos anos de escola quanto nesses de universitário é a "matação de aula". Digo comum em relação aos meus colegas, pois eu sempre fui caxias. Afinal, se é para ir até a escola ou Universidade é para se fazer o que deve ser feito, pois se é para ficar fora da sala, então fico em casa!

Todavia, são raras as vezes em que assisto a aula com real interesse ou com alguma centelha de prazer. Há anos perdi o tesão pelo banco e rabiscos na lousa, pela preleção do professor e participação dos colegas. Não suporto mais o blábláblá vazio e teatral ocorrido na sala de aula. Não sou adepto daquela história do professor fingir que ensina e eu fingir que aprendo, mesmo porque os professores não sabem fingir.

Mas as crianças não: elas saem correndo para a sala de aula quando o sinal toca.

Enquanto via as crianças, vasculhava a mim procurando quando foi que deixei de correr para a sala de aula para render-me ao desejo de recusa a ela. Aportei no dia em que tirei meu primeiro dez sem precisar ter estudado, escrevendo qualquer bobagem na prova e ainda assim alcançando a nota máxima. Desde então deixei de estudar para apenas fazer o suficiente, e as vezes nem isso, pois, fazer o suficiente em muitos casos deixava-me com o estigma de nerd, cdf.

No início dos anos de universitário, retomei a sério a vida de estudos, afinal, agora estava adentrando num ambiente acadêmico, de pesquisa séria, na qual precisaria dedicar-me ao máximo para poder assim, quem sabe, figurar entre os melhores (o que seria difícil já que na universidade só entra quem realmente estuda) e garantir um futuro não tão ruím. Pensava como a maioria dos calouros pensam....

Isso até sair a primeira divulgação das notas, quando constatei um fato inusitado: um indivíduo que nunca apareceu em classe alcançou um conceito muito superior ao meu no final semestre, sendo que eu estava em todas as aulas da disciplina e fazia muito mais do solicitado. Sem contar nas provas em que meu conceito foi inferior a média pelo fato de eu não ter reproduzido ipsis literis as anotações de aula, pois era isso o desejado pela professora.

A gota foi quando perdi uma bolsa de estudo duranta a minha participação num projeto de iniciação científica. Perdi não é a palavra correta, pois nem cheguei a concorrer, já que havia carta marcada para quem ela iria se destinar. Enquanto o estudioso aqui escrevia artigos, fazia relatórios, gastava dinheiro próprio (sem tê-lo) viajando e participando de congressos e encontros de Iniciação Científica, pois assim era exigido, o bonitão lá nem aparecia nas reuniões, não escreveu uma linha da pesquisa, dizia para deus e o mundo odiar o projeto, e recebia R$ 400,00 e um título de bolsista do CNPQ. Concluí que no mundo acadêmico, a seriedade não passa de uma grande brincadeira.

Mas as crianças não: elas saem correndo para a sala de aula quando o sinal toca.

Observando as crianças, descobri quando deixei de correr para a sala de aula: foi quando deixei de vê-la como uma extensão do pátio. As crianças quando retornam a sala não deixam de brincar: elas apenas mudam de brincadeira. Mas brincadeira aqui não possui conotação de irresponsabilidade. Pelo contrário. As crianças brincam conforme as regras, criando a sua realidade.

Quando resolvi levar a sério a sala de aula, assim como os adultos dizem que deve ser, decepcionei-me porque percebi que tudo não passa de uma brincadeira. Contudo, brincadeira no sentido adulto do termo, pois, para os adultos, brincar é justamente burlar as regras, deformar a realidade, e melhor ainda quando de modo irresponsável.

As crianças correm para a sala quando o sinal tocal, porque lá a brincadeira continua;
Eu corro da sala de aula, porque sei que lá irão brincar comigo.
As crianças, brincando, incluem-se umas as outras;
Os adultos, brincando, excluem-se uns aos outros.

As crianças gostam de estudar porque aprender também é brincar;
Os adultos gostam de brincar, porque aprender e ensinar, é sinônimo de enganar.

Eu quero voltar a ser criança, pois elas brincando sabem o que é levar a vida (e isso inclui os estudos) a sério.

Marcadores:

 
posted by rafael at 02:47 | Permalink | 0 teste tua chave
|
22.3.07
a quimica do amor
Para explicar as coisas do amor, nada melhor do que as teorias poetico-científicas encontrada nas palavras dos poetas e romanticos, conhecedores da vida não por meio de métodos e fórmulas, mas de sentimentos oriundos do corpo e da alma.
Durante essa semana, enquanto lia "Como água para chocolate" de Laura Estivel, já levado as telas de cinema por Alfonso Arau, encontrei uma passagem para mim mui esclarecedora sobre a tal "quimica" que rola quando nos apaixonamos por alguém.
Eis a explicação dada a personagem Tita, pela personagem, o médico John Brown.

Como vê, todos nós temos em nosso interior os elementos necessários para produzir fósforo. E além disso, deixe-me dizer-lhe algo que nunca confiei a ninguém. Minha avó tinha uma teoria muito interessante: dizia que ainda que nasçamos com uma caixa de fósforos em nosso interior, não podemos acendê-los sozinhos porque necessitamos, como no experimento, do oxigênio e da ajuda de uma vela. Só que nesse caso, o oxigênio tem de provir, por exemplo, do alento da pessoa amada. A vela pode ser qualquer tipo de alimento, música, carícia, palavra ou som que faça disparar o detonador e assim acender um dos fósforos. Por um momento nos sentimos deslumbrados por uma intensa emoção. Se produzirá em nosso interior um agradável calor que irá desaparecendo pouco a pouco conforme passe o tempo, até que venha uma nova explosão a reaviva-lá. Cada pessoa tem de descobrir quais são seus detonadores para poder viver, pois a combustão que se produz ao acender-se um deles é o que nutre de energia a alma. Em outras palavras, esta combustão é seu alimento. Se uma pessoa não descobre a tempo quais são seus próprios detonadores, a caixa de fósforos se umedece e já não podemos acender um só fósforo. Se isso chegar a acontecer, a alma foge de nosso corpo, caminha errante pelas trevas mais profundas tentando em vão encontrar alimento por si mesma, ignorando que só o corpo que deixou inerme, cheio de frio, é o único que podia lhe dar isso.

Claro que também deve tomar muito cuidado em ir acendendo os fósforos um por um. Porque, se por uma emoção muito forte, chegam a se acender todos de uma só vez produzem um resplendor tão forte que ilumina mais do que podemos ver normalmente, e então diante de nossos olhos aparece um túnel esplendoroso que nos mostra o caminho que esquecemos no momento de nascer e que nos chama a reecontrar nossa perdida origem divina. A alma deseja reintegrar-se ao lugar de onde provém, deixando o corpo inerte... Desde que minha avó morreu tentei demonstrar cientificamente esta teoria. Talvez um dia eu consiga. O que acha disso?
(Laura Estivel. Como água para chocolate. Record)

Marcadores:

 
posted by rafael at 23:50 | Permalink | 0 teste tua chave
|
18.3.07
ao som da chuva
Algumas frases soltas nascidas enquanto via, ouvia e sentia a chuva.

Muito barulho me incomoda,
barulho constante tira-me a paz.
Preciso sempre de um momento de silêncio
a fim de reecontrar a calma que me apraz.

Mas para tudo há uma exceção.
Até mesmo quando o tema é a salvação.
E para a questão do barulho tão incomodo a mim,
o som da chuva é aquela regra que escapa a toda norma.

Pode chover uma manhã, uma tarde inteira.
Pode chover dias inteiros.
O som da chuva sempre me conduz a paz.
Essa que as vezes nem o silêncio traz.

Talvez esse prazer se explique
por eu ser em grande medida composto por água.
O som da chuva me remete ao meu próprio corpo,
A morada da minha existência.

Corpo formado de água.
Corpo imenso e misterioso.
Assim como o mar.
Também formado de água.
Também ouvidor da chuva.
Também imenso e misterioso.

Ou então esse prazer se explique
por me lembrar do ventre materno
no qual estive nove meses submerso em água.
Não água do mar,
mas igualmente protetor da vida.
Água da minha mãe
que me fez saber, desde sempre,
o que é amar.

Gosto de ficar na janela
olhando a chuva cair,
lavando os telhados, as calçadas,
fazendo toda a sujeira sair.

Gosto de ver as crianças na chuva.
Odeio ver os adultos de guarda-chuva.
As crianças na chuva brincam com o mundo.
Os adultos negam o mundo ao proteger-se da chuva.

Dormir com chuva é muito bom.
Fechar os olhos e aguçar o ouvido
para ouvir a água correndo na calha;
para contar as gotas que batem na janela.

O som da chuva leva embora o silêncio noturno,
a solidão da escuro,
que amedronta grandes e pequenos.
Deixando apenas o som gostoso e a afetuosidade da água;
como o som de uma canção de amor que nos retira do mundo a volta;
como o som de um "eu te amo" dito ao pé do ouvido;
como um olhar acolhedor de quem amamos;
como um suspiro nascido de lembranças.

Marcadores:

 
posted by rafael at 20:18 | Permalink | 1 teste tua chave
|
15.3.07
falta inspiração
A inspiração me foge nos últimos dias
Corro e não a alcanço
Espero e ela não chega
Grito e não obtenho resposta
Choro e não me consola
Oro e não manifesta-se

Tenham paciência para com a minha condição de solidão frente a inspiração....
 
posted by rafael at 17:32 | Permalink | 2 teste tua chave
|
13.3.07
nosso leito
Quando a saudade de ti encontra meu peito,
de pronto abandono tudo o que há pra fazer.
Deixo-me ser levado até nosso carme leito,
para lá fechar os olhos na esperança de te ver.


Carme: canto; poema; versos líricos

Marcadores: ,

 
posted by rafael at 00:15 | Permalink | 0 teste tua chave
|
12.3.07
continuo querendo ser um idiota
A tempos atrás postei um texto intitulado "quero ser um idiota". Hoje, lendo "Sidarta", de Hermann Hesse, deparei-me com um pensamento amigo e mais belo a minha opinião expressa naquela pequena reflexão.

Certa feita, quando a fisionomia do rapaz (seu filho) lhe recordava mais do que nunca a de Kamala, Sidarta lembrou-se subitamente de uma frase que ela lhe dissera, havia muito, nos dias da sua mocidade: "Tu não saber amar" - afirmara ela, e Sidarta lhe dera razão. Então se comparava a si com um astro e qualificara todos os homens tolos de folhas mortas. E, todavia, sentira que aquela frase continha um que de censura. Realmente, nunca lhe fora possível abandonar-se, entregar-se por inteiro a outra criatura, a ponto de esquecer-se de si mesmo e de cometer bobagens por amor de outrem. Nunca, nunca pudera agir desse forma e como lhe parecia naquele instante, era essa a grande diferença que o apartava dos homens tolos. Mas, desde que surgira o filho, também ele, Sidarta, transformara-se num homem tolo, que sofria por causa de outra pessoa, que se agarrava a um ente querido, que andava perdido de amor, que, devido a essa afeição, se convertera num imbecil. A essa altura, acometia-o, embora tardiamente, pela primeira vez na vida, aquela paixão, a mais forte, a mais estranha de todas, fazendo-o sofrer, sofrer miseramente e, mesmo assim, deixando-o sumamente feliz, dando-lhe a impressão de estar renovado e enriquecido.
(Hermann Hesse. Sidarta. Civilização Brasileira, 1971.)

Reforço, agora junto com Hesse, o meu desejo de ser um tolo, um imbecil - um idiota.

Marcadores:

 
posted by rafael at 22:56 | Permalink | 0 teste tua chave
|
11.3.07
mesmo que tenha sido apenas ilusão
A ilusão do teu carinho
fez transformarem-se em flor
as pedras do meu caminho
e os meus fracassos de amor
(Aristheu Bulhões)

Marcadores:

 
posted by rafael at 23:07 | Permalink | 0 teste tua chave
|
10.3.07
pedido
Por favor

Você amiga que comentou no texto "Eu e Elas", deixe um outro comentário dizendo seu nome.

Afinal, para eu aceitar sua candidatura, preciso saber quem és, hehehe
 
posted by rafael at 15:17 | Permalink | 0 teste tua chave
|
o senso crítico do brasileiro
Trecho de uma crônica do Tutty Vasques. Estou bastante propenso a concordar com ele....

O brasileiro não anda muito a fim de papo, quer falar sozinho. Todo mundo no país dispõe, se tanto, de meia dúzia de discursos indignados, oito palavrões, três ou quatro intolerâncias básicas e um neurônio anarquista meio pancadão para golfar suas idéias. Tenho visto pessoas que falam pra se aliviar. Gente que sai de um debate como alguém com dor de barriga deixa o banheiro. O país da lambança tem como uma de suas marcas registradas a inesgotável capacidade do seu povo de falar merda. Pode ser que agora mesmo eu esteja dizendo uma.

Ouçam a voz rouca das ruas: generalizou-se a safadeza. Aos olhos de todos, ninguém presta. O presidente, o guarda da esquina, o médico, o motorista de táxi, a sogra, a filha do vizinho, o traficante, o jornalista, a oposição, a mãe dos outros, o Bush. Tem gente falando sempre a mesma coisa, não importa se o assunto é política, religião, futebol ou mulher. Discute-se por tudo. Discorda-se de tudo. Ninguém ouve o que o outro tem a dizer para formular um raciocínio pertinente. “O negócio é o seguinte...” – e tome de barbaridades sobre a redução da maioridade penal para 16 anos, a política monetária, a bolsa de Xangai e a camiseta molhada de Alessandra Negrini na novela das oito...

Marcadores:

 
posted by rafael at 14:56 | Permalink | 0 teste tua chave
|
orar é também olhar
Me disseram porém
Que eu viesse aqui
Pra pedir de romaria e prece
Paz nos desaventos

Como eu não sei rezar
Só queria mostrar meu olhar
Meu olhar
Meu olhar

(Romaria. Composição de Renato Teixeira. Intérprete: Elis Regina "preferencialmente")

Marcadores:

 
posted by rafael at 00:09 | Permalink | 0 teste tua chave
|
9.3.07
um leitor ingênuo
Algumas pessoas consideram-me crítico, pois, para determinados assuntos tenho uma opinião aparentemente formada, para outros tenho algum tipo de contribuição a oferecer, e para a maioria ofereço apenas o silêncio. Por sinal, é graças ao silêncio na maioria dos assuntos que essa imagem de pessoa crítica coube como uma luva em mim...

Não me considero crítico, muito pelo contrário, sou até muito ingênuo. Se tenho opinião sobre algo, essa nem é minha, e sim oriunda de alguma leitura. Se fico em silêncio, não é por estar questionando ou desconfiado: é porque realmente não tenho nada a declarar e provavelmente estou acreditando em tudo o que é dito. E se tenho alguma opinião a oferecer, digo-a vacilando por receio de estar dizendo bobagem.

Quando comecei a cursar o ensino superior esta ingenuidade me incomodava. Ouvia os professores sempre opinando sobre algo, discordando dos autores e de outros professores e sempre dando um jeitinho de mostrar para o aluno que esse não sabe nada. Também observava meus colegas sempre opinando sobre músicas, filmes, livros, seja exaltando ou criticando. E eu, não sabia de nada! Todos tinham algum tipo de senso de crítico e eu sempre ouvia e calava. Considerei-me um bobão.

Comecei a achar minhas leituras infrutíferas, improdutivas, visto que nunca tinha nada a acrescentar sobre o lido. Senti-me um papagaio, pois o que apenas fazia era reproduzir as palavras do escritor. Pensei ser um menino ingênuo que sempre acredita nas histórias fantásticas e fantasiosas contadas pelos mais velhos. Odiei minha ingenuidade até ler um ensaio de Emil Sinclair, pseudônimo de Hermann Hesse, intitulado "Sobre a leitura de livros". Nesse texto, Hesse classifica três tipos de leitores.

O primeiro é assim definido
Em primeiro lugar, há o leitor ingênuo (...) Este leitor devora um livro como se fosse uma refeição, é apenas um receptor, ele come e se satura como um garoto se empanturra com um livro sobre índios, ou uma criada com um romance sobre condenssas, ou um estudante com Schopenhauer. Este leitor não se relaciona com o livro como uma pessoa, mas sim como um cavalo com a manjedoura, ou um cavalo com o cocheiro; o livro dirige e o leitor obedece (...) Este leitor assume sem questionar que um livro existe única e exclusivamente para ser lido com fidelidade e atenção, para ser apreciado em todo seu conteúdo ou forma.

Em segundo lugar, Hesse escreve:
Desde que o homem siga sua natureza e não sua formação cultural, ele se torna criança e começa a brincar com as coisas, o pão se transforma numa montanha onde se fura um túnel, a cama numa caverna, num jardim, num campo nevado. O segundo tipo de leitor mostra um pouco desse gênio brincalhão, dessa infantilidade. Este leitor não aprecia nem o conteúdo nem a forma de um livro como seus valores únicos e mais importantes. Ele sabe, como as crianças também sabem, que qualquer coisa pode ter dez, cem significados e sentidos.

E em terceiro
Passemos agora ao terceiro e último grupo. Pelo visto, este é exatamente o contrário do que se poderia chamar de "bom leitor". O terceiro tipo tem tanta personalidade, é tão individualista que se coloca diante da leitura completamente descompromissado. Ele não quer nem se ilustrar e nem se divertir, usa um livro como usaria qualquer outro objeto do mundo, para ele é apenas um ponto de partida e um estímulo. No fundo é indiferente ao que lê. (...) Ele é criança no sentido em que valoriza muito o pensamento associativo, só que conhece o outro também. No momento em que nossa fantasia e capacidade de associação está no auge, já não lemos mais o que está escrito no papel, mas nos deixamos levar pelos estímulos e idéias que nos chegam da leitura.

Hesse não diz qual grupo exercita corretamente a leitura. Para ele cada um de nós se encontra num determinado grupo variando o momento, e depois passamos a outro. Ele apenas chama a atenção para a permanência por muito tempo no terceiro grupo, pois nesse, ao invés de lermos, viajamos para fora do livro.

Depois disso acalentei-me e satisfiz-me com o fato de não ser um crítico. Quer dizer, um crica. Porque para Hesse até mesmo o crítico, quando realmente crítico e não um crica, exerce a leitura.

Gostaria de terminar com o conselho deixado pelo autor na conclusão de seu ensaio:

Qualquer leitor, de qualquer área, pode variar entre os três níveis. Você pode ocupar esse mesmos três níveis com milhares de subníveis na área da arquitetura, da pintura, da zoologia, e da história. Em qualquer área, nesses três níveis em que você é você mesmo, deixará de ser leitor, a obra literária será dissolvida e a história universal também. Mas mesmo assim, sem penetrar conscientemente nesses níveis, você lerá todos os livros, todas as ciências e artes sempre como um aluno lê a gramática.

(Hermann Hesse, O Caderno de Sinclair, Record)

Marcadores: , ,

 
posted by rafael at 02:35 | Permalink | 0 teste tua chave
|
6.3.07
lembranças
As melhores lembranças
são aquelas que me tomam repentinamente.
Parecem tornar-me como as crianças,
e devolvem cor ao mundo, como antigamente.

Lembranças de lugares
para mim têm algo de sagrado.
Eles parecem tornar-se altares,
nos quais o saudoso passado é louvado.

Lembranças de momentos
me vêm envolto pela mística.
Vão além de apenas recordações de eventos;
é um transcender ao tempo, unindo presente e passado
aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaanuma ceia eucarística.

Lembranças de pessoas
talvez sejam aquelas que mais me faz viajar.
Porque trazem junto lugares, momentos e outras pessoas.
Mas acima de tudo, viajo porque recordo como é bom amar.

É claro que as lembranças
também têm seu lado entristecedor.
Me faz rever os espinhos das andanças,
nem sempre revelando rosas e jardins; somente dor.

Assim as lembranças
parecem valorizar o meu existir.
Alegres ou tristes, me faz estar junto das crianças;
que após brincar o dia inteiro, aguardam ansiosas o devir.

Marcadores:

 
posted by rafael at 00:06 | Permalink | 0 teste tua chave
|
5.3.07
eu e elas
Misógeno: aquele que tem horror a casamento;
Ginecófobo: aquele que tem aversão as mulheres.

Abri uma nova conta no orkut por ter medo de ser esquecido. Sim, porque hoje parece que ninguém mais usa e-mail, telefone, carta, ou qualquer outro meio de comunicação fora do modelo "scrap". E uma coisa chamou a minha atenção nessa volta ao universo orkut: minha página de recados contém apenas mulheres. Bom para uns, mas para mim um motivo de reflexão.

Notei isso nos últimos anos. Tenho mais amizades femininas do que masculinas. Minhas melhores amizades são cultivadas com mulheres e sinto-me muito mais a vontade entre elas. Se no tocante a amizade tenho "sucesso", por outro lado, no que se refere a relacionamentos cultivados com afetos para além dos trocados por amigos, não sou um cara com muita ginga.

Penso que isso ocorra devido meu perfil. Não vou me descrever aqui - porque a propaganda deve ser feita por quem me conhece e também por não estar fazendo anúncio de minha disponibilidade..... Apenas quero expressar minha percepção sobre o meu "encalhamento".

Sem nenhuma modéstia (aliás essa é uma qualidade que me falta) faço algum tipo de sucesso entre as meninas mais novas. Porque sempre poso como um homem maduro, experiente com as questões da vida, e isso de certo modo agrada a inexperiente juventude.

Também noto algum tipo de encantamento entre as mulheres com alguns aniversários a mais em relação a mim, e isso por eu demonstrar ser um jovem responsável e com um certo ar de romântico, trazendo sempre a tona a imagem incrustada no imaginário feminino do príncipe (mas eu não me considero príncipe, ok?).

Você deve estar pensando na minha satisfação ao constatar isso (pode não ser verdade, mas eu vejo assim, hehe). E não nego ser muito prazeroso e altamente saudável para a minha estima perceber as coisas desse modo. Contudo, minha satisfação se esvai quando noto que, entre às mulheres da minha idade, minha atuação chega a ser quase nula.

E credito isso novamente ao meu perfil. Parece que sou meio antiquado para as expectativas gestadas entre o belo sexo de idade próxima a minha. A pose de rapaz correto, certinho, crente no amor verdadeiro e adorador da poesia, consegue apenas conquistar palavras como: "você é especial" e "você vai encontrar alguém especial e será muito feliz". De tanto ouvir isso, cheguei a seguinte conclusão: ou ser especial levanta uma barreira entre as pessoas e você, ou ninguém se considera especial a ponto de sentir-se merecedora de você(e se alguém se considera, me escreva!).

Essa tese de que meu perfil não ajuda muito na conquista das mulheres da minha idade, foi fortalecida depois de ler um trecho de "O livro do riso e do esquecimento" de Milan Kundera, no qual o autor escreve:

Os homens sempre se dividiram em duas categorias: os adoradores de mulheres, isto é, os poetas, e os misógenos, ou melhor dizendo, os ginecófobos. Os adoradores ou poetas veneram os valores femininos tradicionais como o sentimento, o lar, a maternidade, a fecundidade, os raios divinos da histeria e a voz divina da natureza em nós, enquanto que nos misógenos ou ginecófobos esses valores inspiram um ligeiro pavor. Na mulher, o adorador venera a feminilidade, enquanto o misógeno dá sempre preferência à mulher do que à feminilidade (...) O adorador ou poeta pode dar à mulher o drama, a paixão, as lágrimas, as preocupações, mas nunca nenhum prazer.

Coloco-me na condição do adorador. Confesso ser um sonhador, um amante da beleza, um contemplador do feminino, e talvez um poeta do amor. Reconheço uma certa ausência de um atrativo de cunho mais carnal, mais reclinado ao âmbito do prazer. E numa sociedade fortemente orientada pelo hedonismo (ter o prazer com objetivo) eu certamente saio perdendo.

Por vezes sinto-me como alguém pertencente a uma outra dimensão, aquela que compreende o ideal. De modo algum me considero perfeito, contudo, no imaginario ensinado a nós, as mulheres sempre sonham com o adorador, mas quando encontram um, parecem desejar mesmo o misógeno, relegando o primeiro a classe dos "especiais", que eu não considero a das mais felizes.

Sou um mísero adorador das mulheres tentando ser poeta. E apenas por tentar já me sinto inacessível, não porque eu queira, mas por imposição do hedonismo favorecedor da misogenia.

Marcadores: , ,

 
posted by rafael at 00:08 | Permalink | 7 teste tua chave
|
3.3.07
a saudade é a presença de uma ausência
A saudade é a presença de uma ausência
(Rubem Alves)

Não recordo se já citei aqui alguma vez essa definição de saudade. Gosto por demais dela. Talvez porque eu sinta o seu significado. Ao menos, para mim, a saudade é sempre um sentimento misto de vazio com plenitude. Procura e encontro. Passado e presente. Falta e abundância. Ausência e presença.

Porém, não é sobre o tema da saudade o foco de minhas últimas reflexões. E sim sobre o tema do espaço que ocupamos na vida de outrem. A saudade vêm a vista justamente porque ela revela um espaço ocupado e hoje desocupado por algo ou alguém em um determinado período da nossa história. E a saudade é justamente esse "dar-se conta" que carregamos em nós um espaço hoje desabitado, porém um dia já feito morada.

Várias situações tem me feito pensar sobre o espaço que ocupamos na vida de alguém. Além disso, tenho tido a sensação de sempre estar invadindo o espaço do outro quando tento iniciar novos relacionamentos. Digo "invadindo" pelo fato de sentir que as pessoas não estão abertas a receber a visita de estranhos em sua vida, pois sempre olham desconfiadas e nunca parecem crer na atitude ingênua de fazer amizade pela amizade sem nenhum outro interesse em vista. E isso se dá principalmente quando nos aproximamos de alguém do sexo oposto. Volta e meia me pego sendo julgado como galanteador (pena que seja um julgamento precipitado, já que sou péssimo na arte da conquista, hehe).

Abrindo o jogo, o fato que realmente me fez pensar sobre isso foi a minha empreitada na tentativa de cativar um coração. Mais uma vez deparei-me com a frase "você é uma pessoa especial" e (pelo menos no momento) não saiu disso. Caramba! Devo ser tão especial a ponto de dever ser guardado num acervo de raridades, pois lá ninguém pode tocar, e em alguns casos nem fotografar, os objetos tidos como especiais. Mas sobre isso eu falo outra hora.

Resolvi dar um tempo nessa empreitada para pensar e repensar, afastei-me por um pouco do meu objetivo desejado, e nesse encontro de tempo x espaço surgiu a saudade: esse "dar-se conta" da ausência da beleza já feita morada em meu coração.

Todavia, questiono-me se a saudade também se faz presente nesse outro coração. E quanto a isso tenho sérias dúvidas, porque me falta o dom da telepatia e leitura de pensamentos para saber o que ocorre na misteriosa, terna e bela alma por mim desejada.

Ocorre comigo que, quando sinto saudades, procuro preencher esse vazio sentido não apenas com dados da memória. Sempre recorro a algo material para tornar mais viva a presença da recordação repentina e arrebatadora. Primeiro para tornar mais clara as lembranças; segundo para prolongar sua estadia em meu coração. Por isso me apego a fotos, presentes, e-mails, bilhetes, e tudo aquilo capaz de me transportar ao mundo da beleza por um tempo escondida, jamais esquecida.

Mas a força maior da saudade está em levar-nos novamente ao encontro do antigo enquilino, agora ausente de seu lar. Para mim a saudade não é algo estático, impassível. Ela vem carregada de inércia e é altamente passional. Não creio na saudade que nos faz ficar imóveis, jogados no sofá apenas lembrando. Acredito na saudade que nos leva a presença e reecontro, sempre que possível, do nosso objeto ansiado.

E pela ausência "física" desse coração tão desejado por mim, inclino-me a concluir que não habitei um espaço significativo, como intensionava, para fazer morada. Creio sim na minha estadia nesse coração; contudo, uma estadia nos moldes de um pacote de viajem de turismo oferecida por alguma agência: com data marcada de ida e volta e com roteiro definido. Inesquecível para quem foi; apenas mais um grupo de turistas para quem ficou.

Claro. Independe de nós, inquilinos, arbitrar sobre tempo de nossa morada no coração de alguém. Entretanto, cabe a nós ofecerer sempre o melhor espaço para os desejosos em habitar na nossa vida, para que eles possam sempre fazer-se presente; presença mesmo na ausência revelada na saudade.

Marcadores:

 
posted by rafael at 23:18 | Permalink | 0 teste tua chave
|