27.3.07
quando o sinal toca
Fui estudar na biblioteca, e, durante a hora do intervalo da escola que funciona no periodo diurno nas dependencias da faculdade na qual eu estava, não resisti ao desejo de pausar os estudos para observar através da janela as crianças brincando e fazendo seu lanche.

Nada de incomum no que tange a hora do recreio: meninos jogando futebol na quadra, meninas numa rodinha falando aos sussurros, as crianças mais novas brincando de menina pega menino e vice-versa, outros tantos dando cambalhotas na grama e descendo das mais diversas e criativas maneiras o pequeno morro forrado de grama : correndo, rolando, pulando, de bunda, de cabeça, de bunda e cabeça...

Mas o fato que mais chamou a minha atenção ocorreu no momento do soar do sinal dando termo ao intervalo. As crianças imediatamente deixaram todas as atividades de lado, disparando em bando para as salas de aula, como se estivessem correndo em direção à algum prêmio, como se fossem ser presenteadas ao largarem suas brincadeiras para novamente dedicarem-se ao estudos.

Observando o fato, de pronto me veio a memória os meus últimos anos de escola, e os atuais momentos de universitário. Recordei-me da escola, de como era doloroso ouvir o toque do sinal finalizando o intervalo, e como pesavam cada vez mais as pernas a medida em que a sala de aula ficava mais próxima, e da angústia por ter que assistir aquelas duas últimas aulas infindáveis, e, por estarem próximas da hora do almoço, tornavam-se quase eternas.

Na Universidade na qual estudo não há sinal, o que não significa ser melhor. Pelo contrário. Devido a isso, não há referência para os professores, e, como esses não consultam o relógio, ou encerram a aula demasiadamente cedo, fazendo-nos esperar muito pela seguinte, ou encerram demasiadamente tarde, deixando-nos muitas as vezes a pé no retorno para casa ou privando-nos do tão desejado happy hour.

Prática comum tanto nos meus últimos anos de escola quanto nesses de universitário é a "matação de aula". Digo comum em relação aos meus colegas, pois eu sempre fui caxias. Afinal, se é para ir até a escola ou Universidade é para se fazer o que deve ser feito, pois se é para ficar fora da sala, então fico em casa!

Todavia, são raras as vezes em que assisto a aula com real interesse ou com alguma centelha de prazer. Há anos perdi o tesão pelo banco e rabiscos na lousa, pela preleção do professor e participação dos colegas. Não suporto mais o blábláblá vazio e teatral ocorrido na sala de aula. Não sou adepto daquela história do professor fingir que ensina e eu fingir que aprendo, mesmo porque os professores não sabem fingir.

Mas as crianças não: elas saem correndo para a sala de aula quando o sinal toca.

Enquanto via as crianças, vasculhava a mim procurando quando foi que deixei de correr para a sala de aula para render-me ao desejo de recusa a ela. Aportei no dia em que tirei meu primeiro dez sem precisar ter estudado, escrevendo qualquer bobagem na prova e ainda assim alcançando a nota máxima. Desde então deixei de estudar para apenas fazer o suficiente, e as vezes nem isso, pois, fazer o suficiente em muitos casos deixava-me com o estigma de nerd, cdf.

No início dos anos de universitário, retomei a sério a vida de estudos, afinal, agora estava adentrando num ambiente acadêmico, de pesquisa séria, na qual precisaria dedicar-me ao máximo para poder assim, quem sabe, figurar entre os melhores (o que seria difícil já que na universidade só entra quem realmente estuda) e garantir um futuro não tão ruím. Pensava como a maioria dos calouros pensam....

Isso até sair a primeira divulgação das notas, quando constatei um fato inusitado: um indivíduo que nunca apareceu em classe alcançou um conceito muito superior ao meu no final semestre, sendo que eu estava em todas as aulas da disciplina e fazia muito mais do solicitado. Sem contar nas provas em que meu conceito foi inferior a média pelo fato de eu não ter reproduzido ipsis literis as anotações de aula, pois era isso o desejado pela professora.

A gota foi quando perdi uma bolsa de estudo duranta a minha participação num projeto de iniciação científica. Perdi não é a palavra correta, pois nem cheguei a concorrer, já que havia carta marcada para quem ela iria se destinar. Enquanto o estudioso aqui escrevia artigos, fazia relatórios, gastava dinheiro próprio (sem tê-lo) viajando e participando de congressos e encontros de Iniciação Científica, pois assim era exigido, o bonitão lá nem aparecia nas reuniões, não escreveu uma linha da pesquisa, dizia para deus e o mundo odiar o projeto, e recebia R$ 400,00 e um título de bolsista do CNPQ. Concluí que no mundo acadêmico, a seriedade não passa de uma grande brincadeira.

Mas as crianças não: elas saem correndo para a sala de aula quando o sinal toca.

Observando as crianças, descobri quando deixei de correr para a sala de aula: foi quando deixei de vê-la como uma extensão do pátio. As crianças quando retornam a sala não deixam de brincar: elas apenas mudam de brincadeira. Mas brincadeira aqui não possui conotação de irresponsabilidade. Pelo contrário. As crianças brincam conforme as regras, criando a sua realidade.

Quando resolvi levar a sério a sala de aula, assim como os adultos dizem que deve ser, decepcionei-me porque percebi que tudo não passa de uma brincadeira. Contudo, brincadeira no sentido adulto do termo, pois, para os adultos, brincar é justamente burlar as regras, deformar a realidade, e melhor ainda quando de modo irresponsável.

As crianças correm para a sala quando o sinal tocal, porque lá a brincadeira continua;
Eu corro da sala de aula, porque sei que lá irão brincar comigo.
As crianças, brincando, incluem-se umas as outras;
Os adultos, brincando, excluem-se uns aos outros.

As crianças gostam de estudar porque aprender também é brincar;
Os adultos gostam de brincar, porque aprender e ensinar, é sinônimo de enganar.

Eu quero voltar a ser criança, pois elas brincando sabem o que é levar a vida (e isso inclui os estudos) a sério.

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