3.3.07
a saudade é a presença de uma ausência
A saudade é a presença de uma ausência
(Rubem Alves)

Não recordo se já citei aqui alguma vez essa definição de saudade. Gosto por demais dela. Talvez porque eu sinta o seu significado. Ao menos, para mim, a saudade é sempre um sentimento misto de vazio com plenitude. Procura e encontro. Passado e presente. Falta e abundância. Ausência e presença.

Porém, não é sobre o tema da saudade o foco de minhas últimas reflexões. E sim sobre o tema do espaço que ocupamos na vida de outrem. A saudade vêm a vista justamente porque ela revela um espaço ocupado e hoje desocupado por algo ou alguém em um determinado período da nossa história. E a saudade é justamente esse "dar-se conta" que carregamos em nós um espaço hoje desabitado, porém um dia já feito morada.

Várias situações tem me feito pensar sobre o espaço que ocupamos na vida de alguém. Além disso, tenho tido a sensação de sempre estar invadindo o espaço do outro quando tento iniciar novos relacionamentos. Digo "invadindo" pelo fato de sentir que as pessoas não estão abertas a receber a visita de estranhos em sua vida, pois sempre olham desconfiadas e nunca parecem crer na atitude ingênua de fazer amizade pela amizade sem nenhum outro interesse em vista. E isso se dá principalmente quando nos aproximamos de alguém do sexo oposto. Volta e meia me pego sendo julgado como galanteador (pena que seja um julgamento precipitado, já que sou péssimo na arte da conquista, hehe).

Abrindo o jogo, o fato que realmente me fez pensar sobre isso foi a minha empreitada na tentativa de cativar um coração. Mais uma vez deparei-me com a frase "você é uma pessoa especial" e (pelo menos no momento) não saiu disso. Caramba! Devo ser tão especial a ponto de dever ser guardado num acervo de raridades, pois lá ninguém pode tocar, e em alguns casos nem fotografar, os objetos tidos como especiais. Mas sobre isso eu falo outra hora.

Resolvi dar um tempo nessa empreitada para pensar e repensar, afastei-me por um pouco do meu objetivo desejado, e nesse encontro de tempo x espaço surgiu a saudade: esse "dar-se conta" da ausência da beleza já feita morada em meu coração.

Todavia, questiono-me se a saudade também se faz presente nesse outro coração. E quanto a isso tenho sérias dúvidas, porque me falta o dom da telepatia e leitura de pensamentos para saber o que ocorre na misteriosa, terna e bela alma por mim desejada.

Ocorre comigo que, quando sinto saudades, procuro preencher esse vazio sentido não apenas com dados da memória. Sempre recorro a algo material para tornar mais viva a presença da recordação repentina e arrebatadora. Primeiro para tornar mais clara as lembranças; segundo para prolongar sua estadia em meu coração. Por isso me apego a fotos, presentes, e-mails, bilhetes, e tudo aquilo capaz de me transportar ao mundo da beleza por um tempo escondida, jamais esquecida.

Mas a força maior da saudade está em levar-nos novamente ao encontro do antigo enquilino, agora ausente de seu lar. Para mim a saudade não é algo estático, impassível. Ela vem carregada de inércia e é altamente passional. Não creio na saudade que nos faz ficar imóveis, jogados no sofá apenas lembrando. Acredito na saudade que nos leva a presença e reecontro, sempre que possível, do nosso objeto ansiado.

E pela ausência "física" desse coração tão desejado por mim, inclino-me a concluir que não habitei um espaço significativo, como intensionava, para fazer morada. Creio sim na minha estadia nesse coração; contudo, uma estadia nos moldes de um pacote de viajem de turismo oferecida por alguma agência: com data marcada de ida e volta e com roteiro definido. Inesquecível para quem foi; apenas mais um grupo de turistas para quem ficou.

Claro. Independe de nós, inquilinos, arbitrar sobre tempo de nossa morada no coração de alguém. Entretanto, cabe a nós ofecerer sempre o melhor espaço para os desejosos em habitar na nossa vida, para que eles possam sempre fazer-se presente; presença mesmo na ausência revelada na saudade.

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