Ter idéias para escrever, ou para qualquer outra atividade, exige o esforço de refletir sobre o mundo a nossa volta. E para mim, reflexão é sinônimo de estar admirado pela vida e deixar-se embriagar pela sua beleza e mistérios. É como a paixão de adolescência que consome toda nossa imaginação, sentimentos e razão, deixando-nos cativos da pessoa amada e levando-nos a ter várias idéias a respeito dela.
A idéia. Meus textos nascem a partir de um estranhamento ou admiração causada por um conceito ou palavra, em alguma leitura ou quando estou comigo mesmo. A idéia começa a formar-se depois de atingir meu corpo: sombracelhas franzidas quando ocorre estranhamento; um suspiro ou sorriso na ocorrência da admiração.
O processo. Tendo a idéia, parto para o diálogo comigo mesmo. Sempre procuro confrontar o óbvio, mesmo que ao final o óbvio seja a resposta. Acrescento, retiro, invento, inverto, reverto. Gosto de pensar as possibilidades, os limites, as transformações, as críticas. Argumento, pergunto, respondo, pinto, rasgo, rabisco. E sinto. Principalmente sinto a idéia caminhando aqui dentro. O sentimento de estranheza ou de admiração é sempre presente. Algumas vezes preciso escrever a mão e visualizar no papel; em outras, preciso dizer em som audível para sentir a sua força. Preciso sentí-la, vê-la, ouví-la.
A chegada. As idéias ficam rodando sem rumo dentro de mim. As que causam estranhamento são as mais perdidas. Não concordo, mas "não sei porque". Algo me diz que "não é assim" ou que "poderia ser diferente", mas ainda não sei que algo é esse. Isso acontece pelo fato de eu não conseguir ver a parte independente do todo. Daí decorrer muitos textos longos para um blog, pois eu preciso localizar a idéia dentro do conjunto da obra. É como um jogo de xadrez: preciso registrar cada movimento feito por mim. A idéia encontra seu norte quando descubro o "por que" do estranhamento. E descoberto, crio o mapa para a resposta. As idéias que causam admiração tem um processo um pouco diferente, visto elas ter um caráter menos "racional", por ser motivadas pelo "sentimento". Essas geralmente encontram rapidamente seu caminho. Na verdade, o caminho é uma trilha qualquer para um destino qualquer.
O cenário. A minha atividade de escrita é sempre solitária. Preciso estar só, no silêncio, ouvindo apenas a mim. Nada de luzes acessas pela casa, e de preferência tudo deve estar em ordem, limpo, para que eu me sinta confortável e sem incômodo algum. Não que eu seja fanático por limpeza, mas a ordem da casa é o reflexo do meu estado de espírito. Gosto de escrever no escritório, onde posso ver meus livros; minhas fontes de inspiração. Quando são textos longos e argumentativos, prefiro escrever direto no computador, pois assim a redação acompanha a velocidade do raciocínio, e se não estiver do meu agrado é mais fácil reescrever. Textos curtos e mais emotivos, escrevo a mão e na sala. Por ser um ambiente arejado, sinto maior liberdade, e escrevendo a mão me detenho mais cuidadosamente sobre cada palavra.
O texto. Finalmente a produção do texto. Tendo a idéia e o mapa para a resposta, deixo as palavras fluírem. Pego as primeiras que surgem, sem o rigor de seu significado e preocupação estilística. Nesse primeiro momento, ocupo-me apenas com a coerência e coesão do texto. Tendo-o grosseiramente pronto, parto para o acabamento. As correções ortográficas de praxe (que sempre deixam escapar algo); a troca de alguns termos para outros de sentido mais preciso ou maior expressividade, etc. Procuro sempre estabelecer um ritmo para a leitura, e isso depende do tema tratado, do gênero que utilizei e do sentimento que desejo causar no leitor. Releio várias vezes antes de publicar, e por vários dias depois de publicado. Estando ele no ar, a única mudança que me permito fazer é a correção ortográfica, porque depois do ponto final derradeiro, acredito que o texto é um "outro" sobre quem não tenho o direito de interfirir.
Respondendo a pergunta inicial acredito também ter esclarecido o porque não escrevo diariamente no blog. Pensar e escrever para mim é uma atividade que demanda tempo e zelo. Não gosto de verborragia: palavras não devem ser gorfadas, seja de forma oral, seja na forma escrita. Pois o mundo foi criado pelas palavras - "E disse deus: haja luz, e houve luz!" - e nossas palavras também criam mundos.
(todos somos um pouco deus, e um pouco feiticeiros)
Estou com Rubem Alves quando ele diz estar em busca da palavra que faz florescer o Paraíso que o esquecimento transformou em deserto dentro de nós. Estou em busca de palavras que tornem visíveis os sonhos, e que, quando ditas, transformam o vale de ossos secos numa multidão de crianças.
(lições de feitiçaria, Loyola, 2001)
É assim que eu escrevo.
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