Don Juan era um conquistador. E com letras maiúsculas, mesmo. Um Grande Conquistador. Mas pergunto como se pode querer ser um conquistador numa terra onde ninguém nos resiste, onde tudo é possível, onde tudo é permitido? A era dos dom-juans está terminada. O atual descendente de Dom Juan não conquista mais, apenas coleciona. Ao personagem do Grande Conquistador sucede o personagem do Grande Colecionador, só que o Colecionador não tem nada mais em comum com Dom Juan. Don Juan era um personagem de tragédia. Estava marcado pela culpa. Pecava alegremente e caçoava de Deus. Era um blasfemador e acabou no inferno.
Dom Juan carregava nos ombros um fardo trágico, do qual o Grande Colecionador não tem a menor idéia, pois em seu universo há apenas fardos sem peso. Os blocos de pedra se transformaram em plumas. No mundo do Conquistador um olhar contava muito mais do que contam, no mundo do Colecionador, dez anos do mais assíduo amor físico.
Don Juan era um mestre, enquanto o colecionador é um escravo. Don Juan transgredia com ousadia as convenções e as leis. O Grande colecionador não faz senão aplicar docilmente, com o suor de seu rosto, a convenção e a lei, pois colecionar faz parte das boas maneiras e do bom-tom, colecionar é quase considerado como um dever.
O Grande Colecionador não tem nada em comum nem com a tragédia nem com o drama. O erotismo, que era germe das catástrofes, tornou-se, graças a ele, uma coisa comparável a um café manhã, a um jantar, à filatelia, ao pingue-pongue, ou a um giro pelas lojas. O Colecionador introduziu o erotismo na roda da banalidade. Construiu com ele os bastidores e o palco de um cenário em que o verdadeiro drama nunca terá lugar. Infelizmente são o palco de uma cena em que nada acontece.
(Milan Kundera, O simpósio. In: Risíveis Amores, Nova Fronteira, 1985.)
E eu querendo ser conquistador e conquistado, num mundo onde apenas quer-se colecionar e ser peça de coleção.
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