9.8.07
o fim dos dom-juans
Mais uma de Milan Kundera sobre relacionamentos. Milan, sempre ele...

Don Juan era um conquistador. E com letras maiúsculas, mesmo. Um Grande Conquistador. Mas pergunto como se pode querer ser um conquistador numa terra onde ninguém nos resiste, onde tudo é possível, onde tudo é permitido? A era dos dom-juans está terminada. O atual descendente de Dom Juan não conquista mais, apenas coleciona. Ao personagem do Grande Conquistador sucede o personagem do Grande Colecionador, só que o Colecionador não tem nada mais em comum com Dom Juan. Don Juan era um personagem de tragédia. Estava marcado pela culpa. Pecava alegremente e caçoava de Deus. Era um blasfemador e acabou no inferno.

Dom Juan carregava nos ombros um fardo trágico, do qual o Grande Colecionador não tem a menor idéia, pois em seu universo há apenas fardos sem peso. Os blocos de pedra se transformaram em plumas. No mundo do Conquistador um olhar contava muito mais do que contam, no mundo do Colecionador, dez anos do mais assíduo amor físico.

Don Juan era um mestre, enquanto o colecionador é um escravo. Don Juan transgredia com ousadia as convenções e as leis. O Grande colecionador não faz senão aplicar docilmente, com o suor de seu rosto, a convenção e a lei, pois colecionar faz parte das boas maneiras e do bom-tom, colecionar é quase considerado como um dever.

O Grande Colecionador não tem nada em comum nem com a tragédia nem com o drama. O erotismo, que era germe das catástrofes, tornou-se, graças a ele, uma coisa comparável a um café manhã, a um jantar, à filatelia, ao pingue-pongue, ou a um giro pelas lojas. O Colecionador introduziu o erotismo na roda da banalidade. Construiu com ele os bastidores e o palco de um cenário em que o verdadeiro drama nunca terá lugar. Infelizmente são o palco de uma cena em que nada acontece.
(Milan Kundera, O simpósio. In: Risíveis Amores, Nova Fronteira, 1985.)

E eu querendo ser conquistador e conquistado, num mundo onde apenas quer-se colecionar e ser peça de coleção.

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posted by rafael at 10:16 | Permalink |


16 Comments:


At 09 agosto, 2007 16:57, Blogger Unknown

Nunca simpatizei muito com Dons Juans. Gosto de bons moços. Colecionadores? Imitação barata, não é? Tô fora.

Beijo.

 

At 09 agosto, 2007 17:18, Blogger rafael

JMJ
Acredito que O Dom Juan ao qual Kundera se refere não seja aquele pejorativo, como o "consquistar barato", mas sim o Dom Juan da história, que amava perdida as mulheres.

Eu também não sou simpático aos pejorativos, mas quanto ao "original", quem me dera ser doente de amor como ele....

E fica a pergunta: como é o "bom moço"???
bjus

 

At 09 agosto, 2007 18:56, Anonymous Anônimo

bateu e voltou, te indiquei também! =P beijo!

 

At 09 agosto, 2007 22:11, Blogger Ana Paula

Ai, Rafa, doente de amor? Doente de amor doente, isso sim...
Também não simpatizo nem com o original, nem com as cópias-pirata. Gosto de exclusividade. O que é meu, é meu. Pelo menos durante um tempo... Tanto Don Juan quanto os Colecionadores me cheiram à caras que transavam para ter mais um risquinho na lista de mulheres que já pegaram, importando-se sempre com quantidade, nunca com qualidade... Coitadas das mulheres desses "atletas de alcova"...

 

At 10 agosto, 2007 09:32, Anonymous Anônimo

Acho que todos na vida temos fases. Há fases em que queremos ser encantadas por um Don Juan. Nas fases em que nós mesmas não estamos com vontade de nos envolvermos numa relação e ao mesmo tempo não abrimos mão de sermos encantadas e não colecionadas. Então acho q Don Junas não são de todo maus.

Ruim é de fato tornar-se uma peça de coleção, que o proprio colecionador mal sabe classificar. Um Don Juan sabe lidar muito bem com suas conquistas, mesmo que elas sejam muitas. Mulheres gostam de se sentir unicas. E alguns homens, mesmo sendo Don Juans sabem fazer isso com toda destreza. Só depende mesmo é do momento e que a mulher se encontra!

Então ser Don Juan, é bom. Seja um Don Juan, mas respeite as "fases" que este Don Juan tb deve ter né? A fase de se apaixonar por todas e trata-las como se fossem únicas (sem enganá-las) e a fase de se apaixonar com toda força por uma única!

Bjos

 

At 10 agosto, 2007 11:14, Blogger rafael

AP e Lady
Permitam-me fazer uma defesa do Dom Juan na perspectiva de Kundera (e recomendo a leitura desse autor!).

De fato, o Dom Juan da história tinha muitas mulheres, mas vejam, ele era "doente". Milan evoca esse personagem para ressaltar a falta de amor, de paixão e a banalidade do erotismo nas relações de hoje, onde tudo é permitido, e por isso, cria-se relações também doentes.

Se Dom Juan era doente por amar a todas, o Colecionador é doente por não amar nehuma.

Claro que Dom Juan nos chama a atenção devido a sua sede por todas as mulheres. Contudo, devemos sempre notar que ele "ama" as mulheres, e não as tem como simples objeto de conquista, sendo isso o que colecionador faz.

Obviamente não desejo amar a todas, sendo assim doente como Dom Juan. Todavia prefiro sê-lo, ao ser doente por querer todas sem amar nenhuma.

Mas ainda me contento em não colecionar nenhuma e manter-me na espera da minha única....

 

At 10 agosto, 2007 11:57, Anonymous Anônimo

"Então ser Don Juan, é bom. Seja um Don Juan, mas respeite as "fases" que este Don Juan tb deve ter né? A fase de se apaixonar por todas e trata-las como se fossem únicas (sem enganá-las) e a fase de se apaixonar com toda força por uma única!"
(Plagiando MYSELF)

Vou ler JUNG...ele me faz bem!

 

At 10 agosto, 2007 11:58, Anonymous Anônimo

Permitam-me apenas fazer uma citação a uma música que mais está tocando pra essa bandas de cá... talvez chegue por ai, nalguma carona.

A música, talvez retrate uma realidade parecida com a atual:


Eu sou o rei do cabaré
Não posso ver mulher
Fico doido pra ... ram, ram ram !!!!!!!

Eu sou o rei do cabaré
Não posso ver mulher
Fico doido ... ram, ram ram

Eu sou da bagaceira
Gosto da putaria
não posso ver mulher que fico
Doido
Me tremendo
Me babando
Enloqueço de tesão pra fazer amor

Eu sou dermantelado
Cachorro Descarado
Comigo é vucu-vucu na bichinha
Tome tome safadinha
Tome tapa na bundinha
Eu mando pressão !!!

Fortaleza eu vou na Sandra vou na beti Recife é bom de mais na Odeti
Em Teresina quem me espera são as meninas da Beth Cuscuz !!

Em São Luís vou na casa da Rosana
Aracaju é bom de mais tia Havana
Natal é la no Sinal Cartão Vip eu entro é sem pagar !!!

Eu sou o rei do cabaré
Não posso ver mulher
Fico doido pra ... ram, ram, ram

OBS:

Rafael, eu gosto de seus textos e gosto do bom gosto que você tem.

 

At 10 agosto, 2007 15:22, Blogger rafael

Lady
A leitura de Jung é bastante pesada. Para descontrair, leia Kundera também. Para começar, leia esse "Risíveis amores", são pequenos textos. Mas jamais deixe de ler "A insustentável leveza do ser". Sou suspeito em estar indicando ele, pois eu o adoro. Tanto que tenho 7 livros dele!!! bjo
****************
Adão
Aposto que essa música é sucesso aí na região!! Aqui também tem umas lastimáveis, e que infelizmente são o retrato da geral banalização de tudo ocorrida em nossa sociedade.
Obrigado pelos elogios, e entre o meu bom gosto encontra-se o seus escritos...
abraços

 

At 10 agosto, 2007 16:47, Anonymous Anônimo

Risos*
Conheço bem Kundera. Tive que fazer um trabalho na Faculdade com 40 laudas sobre "Risíveis Amores". Também gosto muito.

JUNG desopila, só isso.
Não acho pesado, acho revelador. Kundera é literatura para reflexão. JUNG para descobertas.

 

At 10 agosto, 2007 23:06, Anonymous Anônimo

Gostei do seu ultimo comentário de ñ querer ser um colecionador. Infelizmente hj em dia muitos querem apenas fazer coleção de "namorados" e por isso deixam de se envolver de verdade e viver um grande amor.Gosto e concordo plenamente com a música de Tom Jobim que diz:"Fundamental é mesmo o amor, é impossível ser feliz sozinho".Bom fim de semana!

 

At 10 agosto, 2007 23:26, Blogger rafael

Ad
Tão difícil quanto resistir não ser um colecionador, é evitar não se transformar numa peça de coleção. Hoje em dia tá complicado essa história de relacionamentos....bju
****************
Lady
Tá esperando o que para enviar esse trabalho para mim!!!!! A notícia da existência desse trabalho foi uma das coisas mais maravilhosas que recebi na última década, rsrs.

Mas sério, se você puder mandar para mim, pelo menos a bibliografia, ficarei eternamente grato! bju
(esse eternamente não é exagero!)

 

At 11 agosto, 2007 00:18, Blogger Ana Paula

Rafa, que advogado Don Juan achou em vc! Quaaaaase me convenceu!

Que bonitinho o que vc disse... De estar esperando a única. Espero que ela venha logo, então.

Beijos!

 

At 11 agosto, 2007 17:37, Blogger Leticia

É a banalização do erotismo e do amor de forma geral...
Ao menos se Dom Juan era "doente" , tinha a delicada de conquistar e se saía lindamente dos relacionamentos.
Hoje em dia dizem por aí :"peguei" beltrano ou fulano , isso é triste.
Os sentimentos evocados na pessoa , o corpo daquela pessoas viraram objetos a serem "pegados".

 

At 11 agosto, 2007 19:41, Anonymous Anônimo

Rafa! confesso que não consegui terminar de ler "a insustentavel leveza do ser". Cheguei mais da metade, mas nao tive vontade de continuar. Achei meio 'desolador' pra mim, sei la. tanto chifre.

ei! mudei de endereço, quando puder atualiza aí ok?
beijos
http://blog.semfrescura.net

 

At 12 agosto, 2007 00:12, Blogger rafael

AP
Eu não tenho pressa não. A não ser em alguns dias em que dá uma dorzinha lá no fundo do coração....bju
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Leticia
Hoje em dia tudo tem sido transformado em objeto de consumo. O valor está em quanto tal objeto pode me trazer prazer. As vezes eu choro por isso. Mas ainda choro escondido....beijo
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Angelina
Não desista do Milan por causa das traições, pois esse é um tema recorrente nele. Você chegou a ler teoria dele sobre a traição? Está na "Insustentável leveza...", e depois de ler você entenderá porque ele fala muito nisso. As traições não são simplesmente traições...
E já atualizei seu novo endereço. bjin

 


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