Diferente do desejado por nós, o amor não é um rio de águas mansas. Ao contrário, está mais próximo de um rio de corredeiras violentas. Pensamos o amor como um estado de completa paz e serenidade. E até acredito que o seja. Contudo, é uma paz sempre tensa e uma serenidade ameaçada pela intranqüilidade. Amar é como uma sinfônia: a harmonia surge do conflito entre as notas. Amar é também estar em conflito.
Conflito é ausência de amor, mas amor não implica na ausência do conflito. Mesmo porque o amor não pressupõe um ambiente somente fraterno. Também pressupõe o não- amor, ou seja, o conflito.
Amor pressupõe a existência do conflito, mas diferencia-se desse por tomar a iniciativa de superá-lo. A iniciativa acontece no movimento de sair "de" em direção "a". É deixar o que é conhecido para caminhar em direção ao desconhecido. É partir da segurança para a insegurança.
Amar é um movimento de abertura: sair do estado em que se tem controle da situação devido ao conhecimento desta, para ir ao conflito, um estado de controvérsias onde não há respostas prontas, e sim a incerteza e o desconhecido. É desejar ser aceito estando cônscio da possibilidade da rejeição. É uma esperança encharcada de incerteza.
Amar é perceber o outro que existe fora de si e permitir que a sua história invada a minha "privacidade histórica". Ocorre o conflito das histórias particulares. E ocorre o amor quando há o interesse de superar as diferenças históricas, não a partir de sua eliminação, mas na criação de espaços onde elas possam conviver harmoniosamente, inaugurando "uma" e "nova" história.
Amar é compartilhar o palco da vida. "O espaço de vida é algo que as pessoas se concedem mutuamente, quando se abrem um ao outro em amor e permitem que um participe da vida do outro. Amar também significa: conceder tempo e ceder espaço e ter paciência uns com os outros, porque um está interessado no outro."
(Jürgen Moltmann, A fonte da vida, Loyola, 2002)
Amar é também estar em conflito, pois é transcendência e imanência: é sair de si doando-se a outro e permitir que o outro, com sua vida e sofrimento, invada a mim.
Erich Fromm. A arte de amar, Martins Fontes, 2000.
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