7.4.07
valor e nobreza
Uma passagem do "O Velho e o Mar " de Ernest Hemingway.

É um peixe enorme e tenho de dominá-lo. Não posso deixar que ele compreenda a força que possui, nem o que poderia fazer se aumentasse a velocidade. Se eu fosse ele, reuniria todas as minhas forças e começaria a correr com toda a velocidade até que qualquer coisa se partisse. Mas, graças a Deus, não são tão inteligentes como nós, nós que o matamos, embora sejam mais nobres e mais valiosos.

O livro conta a história de um velho pescador que estava a oitenta e quatro dias sem pescar absolutamente nada, e, por isso, era alvo de zombaria por parte dos pescadores mais jovens e de pena dos mais velhos. Contudo, confiante, no octagésimo quinto dia lançou-se ao oceano e pescou o maior peixe por ele já visto em toda a sua vida de homem do mar, permanecendo por três dias em árdua luta para dominar o grande peixe. A passagem acima transcrita se dá nas vias do duro combate.

O livro como um todo, e principalmente por seu final - a mim surpreendente - é digno de ser chamado de best seller. E essa passagem em especial chamou a minha atenção pela seguinte frase: "Mas, graças a Deus, não são tão inteligentes como nós, nós que o matamos, embora sejam mais nobres e mais valiosos". Aqui Hemingway contrapõe a inteligência do homem à nobreza e valia do peixe.

Fiquei pensando na tal de "nobreza" e "valia", objetos buscados por todos nós. Tenho por nobreza uma idéia mais atual, não o estereótipo provindo dos reis, rainhas e fidalgos, e sim como uma posição de preeminência, a possessão de um título garantidor de respeito e privilégios. Desse modo, o chefe do tráfico em uma favela é um nobre frente aos seus subordinados (tirando o aspecto da cultura num sentido estrito do termo, não vejo diferença entre traficantes, reis, duques, condes, etc).

Por valia, entendo o "preço" dado ou pago por algo, por aquilo que é, tem, faz e proporciona. Preço no sentido de importância dada, não apenas mediante a valoração em dinheiro (pois esse é apenas uma expressão simbólica da importância dada algo), mas também visto em forma de cuidado e desejo de possuir. E todos buscamos ser valiosos, sentir-nos importantes para, cuidados por, e desejados de alguém, diante daquilo que somos, temos, fazemos e proporcionamos.

Note que a nobreza e valia é dado a nós por outros. Se somos nobres é porque o somos em relação a alguém; e somos valiosos porque assim alguém nos considera.

Para o velho pescador de Hemingway, todo o seu valor e posição dentre os demais pescadores dependia da quantidade e qualidade de sua pesca, de sua atividade de pescador. Quanto mais peixes pescava, e quanto melhor a qualidade do pescado, mais posição e valor galgaria entre os seus. Daí decorrer o fato de que ficar oitenta e quatro dias sem fisgar um peixe torna-o motivo de chacota e pena.

Por isso o velho considerar o peixe mais valioso que a inteligência do homem. Afinal, de nada adianta ser inteligente se o que dá valor ao pescador é o peixe. Nesse sentido, o maior filósofo ou cientista não é ninguém para um pescador se não for capaz de pescar.

Contudo, perceba a sutileza da frase de Hemingway "não são tão inteligentes como nós, nós que o matamos, embora sejam mais nobres e mais valiosos". Os peixes são mais nobres, porém, a inteligência faz com que os homens se sobressaiam, matando os peixes. E é por matar os peixes que os homens se tornam nobres e valiosos. A nobreza e valia do pescador depende da conquista daquilo considerado nobre e valioso.

Refleti sobre tudo o que fizemos para alcançar a nobreza e ser tido como valiosos. A grande parte de nós deseja ocupar um lugar de destaque entre os demais, e todos nós temos a necessidade de nos sentirmos valiosos. Concluí que no mais das vezes, a busca por essas duas coisas nos fazem mais mal do que bem. Isso porque o valor e a nobreza como já disse, são dado por outros. E para conquistá-los, desconfiguramos a nós mesmos, nos tornando outros, e às vezes "os outros", apenas para obter a aprovação dos demais. (a muito tempo já escrevi sobre isso aqui)

O velho conseguiu chegar na praia apenas com carcaça do peixe, pois durante o retorno foi atacado por tubarões que deixaram intacta apenas a cabeça do grande peixe. Ao velho sobrou apenas as mãos machucas, as costas doídas, o cansaço de três dias sem dormir, a espinha do peixe e a história para contar. Haveria de ter-se conformando com sua falta de sorte (e com sua falta de valor e perca de status), se não fosse o jovem rapaz, ao qual ensinara a pescar desde menino, dedicar-lhe todo o seu amor demonstrando que o valor do velho não estava no grande peixe, mas nas lições que lhe ensinara, e a posição de maior destaque do velho não se encontrava entre a nova geração de pescadores, mas no coração e história do jovem. Assim marcaram uma nova pescaria logo que o velho se recuperasse.

Temo que minha vida esteja mais direcionada para aquilo que pessoas dizem ter valor e lugar considerado nobre. Temo estar apostando todas as minha fichas em algo que não tenho certeza de deseja-lo, apenas por dizerem assim ser o correto. Temo que as pessoas não saibam o que realmente tem valor e digno de ser chamado nobre.

Temo nunca ocupar o lugar no coração e história de alguém, por dizerem ser mais importante pescar muito, e, se possível, os maiores peixes. Isso muitas vezes me faz esquecer de que o melhor de mim está e permanecerá para sempre com as pessoas que amo, enquanto dos peixes, sobrará apenas a carcaça.

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