Discordo da frase "a vida é curta demais para fazer tudo o que desejamos". Estava pensando sobre a vida, sobre a minha e das poucas pessoas as quais penso conhecer, e concluí se tratar de uma grande falácia para nós mesmos essa afirmação. Ultimamente estou mais propenso a considerar a vida longa demais e vejo isso como um grande problema.
É um problema porque sempre nos dá a oportunidade de adiar tudo. Adiamos projetos, adiamos decisões, adiamos resoluções de problemas. Parece que procrastinar as coisas está inerente a nós. Não é a toa existir o provérbio "porque fazer hoje o que pode ser feito amanhã" ou "a preguiça é o cansaço de pensar em fazer algo". Aliás, a preguiça somente existe porque sabemos que podemos adiar, pois há tempo o bastante para fazer depois. No fim, "a vida é curta demais para fazer tudo o que desejamos" serve para enganar a consciência e tirar a culpa de sermos procrastinadores. É melhor culpar a vida ao invés de assumir nossa preguiça essencial.
É um problema porque nunca o último dia chega. Se por um lado há os preguiçosos, por outro existem aqueles que vivem cada dia como se fosse o último. Vivem o presente de modo tão intenso a ponto de condenar o amanhã a falta de motivação, de sentido, de novidade. Vivem tudo agora não deixando nada para depois. A vida por ser longa leva nossa disposição ao fim, deixando o cansaço em seu lugar. No fim "a vida é curta demais para fazer tudo o que desejamos" serve para esquecer a derrota para o tempo e dar a idéia de existir ainda um último suspiro que a muito já foi expirado.
É um problema porque mata nossa criatividade. Por ser longa a vida exige constante renovação e mudança para não ficar sempre a mesma. Se bem que a maior parte das pessoas sempre leva a mesma vida. Mas para os inconformados com a mesmice e monotonia, mudança e revolução são palavras chave. Contudo, a própria busca por coisas novas acaba virando rotina, tornando-se enfadonha e transformando em conformismo o inconformismo. O inconformado assim é alguém que se conforma em não se conformar. No fim "a vida é curta demais para fazer tudo o que desejamos" serve como auto-afirmação, pois não é possível conformar-se com a vida, seja curta, seja longa.
É um problema porque é injusto com nossa história. Conforme passa o tempo, esquecemos de muitas coisas significativas, ou se não esquecemos, lembramos de forma diferente. Acho injusto não lembrar dos nomes dos meus colegas de futebol que ajudaram a me sentir feliz em tantos jogos; injusto não lembrar de todas as pessoas que me abraçaram nos meus aniversários; injusto não lembrar de quando foi a primeira vez que senti tesão (e quem foi ela, claro); injusto não lembrar dos lugares em que gostava de brincar na infância, da primeira queda de bicicleta que me fez aprender a pedalar. No fim "a vida é curta demais para fazer tudo o que desejamos" torna-se uma tentativa de aumentar o tempo para podermos recuperar nossa história.
Se você pensa que vejo a vida negativa, acho ela enfadonha ou desejo a morte, está enganado. Quero muito mais, porque eu não sei se quando ela acabar terei a chance de tornar a viver. Mas eu só acho que a vida poderia durar o tempo suficiente para descobrirmos a sua beleza e acabar antes que pudéssemos esquecê-la.
Marcadores: reflexões, vida