2.10.07
a vida é longa demais
Discordo da frase "a vida é curta demais para fazer tudo o que desejamos". Estava pensando sobre a vida, sobre a minha e das poucas pessoas as quais penso conhecer, e concluí se tratar de uma grande falácia para nós mesmos essa afirmação. Ultimamente estou mais propenso a considerar a vida longa demais e vejo isso como um grande problema.

É um problema porque sempre nos dá a oportunidade de adiar tudo. Adiamos projetos, adiamos decisões, adiamos resoluções de problemas. Parece que procrastinar as coisas está inerente a nós. Não é a toa existir o provérbio "porque fazer hoje o que pode ser feito amanhã" ou "a preguiça é o cansaço de pensar em fazer algo". Aliás, a preguiça somente existe porque sabemos que podemos adiar, pois há tempo o bastante para fazer depois. No fim, "a vida é curta demais para fazer tudo o que desejamos" serve para enganar a consciência e tirar a culpa de sermos procrastinadores. É melhor culpar a vida ao invés de assumir nossa preguiça essencial.

É um problema porque nunca o último dia chega. Se por um lado há os preguiçosos, por outro existem aqueles que vivem cada dia como se fosse o último. Vivem o presente de modo tão intenso a ponto de condenar o amanhã a falta de motivação, de sentido, de novidade. Vivem tudo agora não deixando nada para depois. A vida por ser longa leva nossa disposição ao fim, deixando o cansaço em seu lugar. No fim "a vida é curta demais para fazer tudo o que desejamos" serve para esquecer a derrota para o tempo e dar a idéia de existir ainda um último suspiro que a muito já foi expirado.

É um problema porque mata nossa criatividade. Por ser longa a vida exige constante renovação e mudança para não ficar sempre a mesma. Se bem que a maior parte das pessoas sempre leva a mesma vida. Mas para os inconformados com a mesmice e monotonia, mudança e revolução são palavras chave. Contudo, a própria busca por coisas novas acaba virando rotina, tornando-se enfadonha e transformando em conformismo o inconformismo. O inconformado assim é alguém que se conforma em não se conformar. No fim "a vida é curta demais para fazer tudo o que desejamos" serve como auto-afirmação, pois não é possível conformar-se com a vida, seja curta, seja longa.

É um problema porque é injusto com nossa história. Conforme passa o tempo, esquecemos de muitas coisas significativas, ou se não esquecemos, lembramos de forma diferente. Acho injusto não lembrar dos nomes dos meus colegas de futebol que ajudaram a me sentir feliz em tantos jogos; injusto não lembrar de todas as pessoas que me abraçaram nos meus aniversários; injusto não lembrar de quando foi a primeira vez que senti tesão (e quem foi ela, claro); injusto não lembrar dos lugares em que gostava de brincar na infância, da primeira queda de bicicleta que me fez aprender a pedalar. No fim "a vida é curta demais para fazer tudo o que desejamos" torna-se uma tentativa de aumentar o tempo para podermos recuperar nossa história.

Se você pensa que vejo a vida negativa, acho ela enfadonha ou desejo a morte, está enganado. Quero muito mais, porque eu não sei se quando ela acabar terei a chance de tornar a viver. Mas eu só acho que a vida poderia durar o tempo suficiente para descobrirmos a sua beleza e acabar antes que pudéssemos esquecê-la.

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posted by rafael at 20:20 | Permalink |


12 Comments:


At 06 dezembro, 2006 11:39, Blogger Max

Aplausos pelo texto, em especial, pela última sentença. Vou mudar um pouco a música do Djavam: Por ser exata, a vida só cabe em si.

Abraços cara.

 

At 02 outubro, 2007 22:47, Blogger Prill

brilhante!

não vou conseguir me alongar num comentário, ou não quero me alongar mas, pensando nisso - minhas reflexões sobre o tempo me tomam muito tempo, agora percebo, mas não ligo - acabei concluindo que essa percepção de vida longa ou vida curta está intrínsecamente ligada a ideia de deus. não há nem muito o que explicar: aquele esqueminha que fizemos do big bang desencadeou uma linha que tem me surpreendido; deus e/ou a esperança se colocam como ponto de resolução do conflito "vai mais devagar" ou "vai mais rápido", ok, até aí nenhuma novidade. eu acho que não vim aqui escrever uma novidade, só vim aqui dizer isso que só me ocorreu há pouco tempo, o obvio ululante.
a vida é curta comparada com a "idade de deus" (ou idade do universo, tanto faz) mas longa se imaginarmos que ela é algo além do que nós conseguimos ver ou sentir e que, na volta à deus, ela será prolongada.
também é uma questão de ponto de vista (outro obvio ululante!); ao estudar a história da humanidade, a percepção de que cada vida não é nada além do nanonésimo esmigalhado da existência geológica, tem efeitos devastadores. por essas e outras os historiadores vivem bêbados ou drogados. talvez o pior seja a sensação de deja vu; pode não existir vida eterna mas pode haver a sua continuidade nos seus descendentes que vão continuar fazendo a mesma coisa que você mas... onde estou mesmo? não lembro. ixe. depois volto pra uma reedição.

beijo
adorei

 

At 02 outubro, 2007 23:42, Blogger Mila Cardozo

Que texto hein!!!!
Nossa... maravilhoso!!! Uma visão muito interessante e inteligente sobre a vida...
Beijos Mila

 

At 02 outubro, 2007 23:42, Blogger Sandra Leite

Rafa

A sensação que tenho é que o homem sempre quer se eternizar e portanto a vida vai ser curta mesmo. Os desejos serão sempre reinventados não apenas porque desejamos somente, mas porque precisamos ocupar o vazio existencial eterno.
Apenas refletindo e ruminando suas palavras através da minha leitura.
Só acho que a indeterminação do quanto vamos viver (pq essa é uma variável importante) deveria fazer a vida sempre mutável...Deveria, mas somos nós os agentes nessa obra, né não? ;)

beijo

 

At 03 outubro, 2007 08:19, Anonymous Anônimo

Nunca achei q a vida era curta ou longa!

Acho mesmo é q uma só vida não é suficiente!

E nem to falando de religião!
Eu quero ser muitas e quero ser todas! Quero ser outras! Quero ser tudo!

Muito franca?
Acho melhor eu parar com o Hi-Fi esta hora da manhã!

 

At 03 outubro, 2007 12:34, Blogger Leticia

Perdemos tempo demais tentando entender como deveria ser a vida em vez de vive-la.
Aí ser centrado é desvantagem.
Curta ou não , por enquanto vc só tem essa , desfrute-a.
E penso que pode-se sim ser várias em uma só vida, eu vivo me transmutando, ser sempre o mesmo é muito enfadonho.

 

At 03 outubro, 2007 21:57, Blogger rafael

Prill
Eu nem estou entrando na questão sobre vida eterna ou sobre o tempo do universo. Minha reflexão procurou deter-se apenas no aspecto de como lidamos com a temporalidade de vida aqui e agora.

Mas a questão de deus ou da esperança como ponto de resolução para o conflito vida "longa" ou "curta" é uma obviedade nem tão ululante assim. Pensemos mais nisso.
bjão
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Mila
É uma visão que tem procurado discernir um caminho para a ação de como viver plenamente e imergido na beleza...
beijos
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Sandra
Concordo que a indeterminação da vida deveria fazer a vida sempre mutável. Contudo, percebo que na maior parte das vezes isso paralisa as pessoas. Mas a que se pensar melhor nisso.
bjus
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Lady
Eu já tendo a achar que uma vida é mais do que suficiente. Ser apenas eu já tem sido um esforço tremendo, rs.
bjinhos
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Leticia
Ser sempre o mesmo pode ser mesmo enfadonho, mas tramutar-se demais também não pode redundar numa perda de sentido para vida? Essa é uma boa pergunta....
bjus

 

At 04 outubro, 2007 01:43, Anonymous Anônimo

O trágico, é que, se pensa que a vida é curta, e ou a vida é longa, mas, quem de nós sabe o quanto viveremos, ou quem de nós podemos aumentar um pouco esta existência?

Assim, a vida, é curta, porque só temos um dia por vez, e então pensamos que estaremos aqui nesta existência, por muitos dias.

Só temos um dia. Só temos este momento, o que passou acabou, e a momento seguinte, ainda não chegou.

 

At 04 outubro, 2007 21:00, Blogger Leticia

Sobre sua pergunta: não.Veja bem, o sentido dasua vida está em metas a serem alcançadas e depois que se alcança se faz o quÊ?!
Eu tenho novas metas e me transformo sim em função delas e do que tenho de viver pasra alcança-las.
Óbvio que o cárater a essência não muda.Mas querido tudo que tem vida se transforma!
Ah vim aqui te avisar que postei hj a reflexão que fiz em cima da daquela sua série:" A salavaçao está no outro".
Se der , passa lá e me dá sua opinião.Bjks.

 

At 04 outubro, 2007 22:03, Blogger Menina Malvada (Ou Kaka)

É, a vida é mesmo muito curta...
Aproveitar a vida é fácil, fácil, fácil... Atingir seus objetivos é fácil fácil fácil...
Mas quando vc morre não é tudo que vc perde... Uma coisa vc nunca vai perder: o amor que as pessoas sentiram por vc...

Pensa nisso tá...

 

At 07 outubro, 2007 17:51, Anonymous Anônimo

Não penso que seja uma questão meramente temporal, tem mais a ver com disposição e disciplina. Tb tenho essa mania de adiar muitas coisas que poderia fazer bem antes.

 

At 07 outubro, 2007 19:52, Blogger rafael

Adão
Eu não sou tão enfático ao dizer que o que passou acabou. Na verdade, nada passa, tudo fica, mesmo que de modo imperceptível. E também não creio que temos apenas esse momento, pois nossos sofrimentos provém justamente de coisas que são um passado-presente e de incertezas com relação ao futuro.

Enfim, talvez seja consolador pensar apenas no agora, mas é desolador perceber que sempre há um depois incerto....
Obrigado por me fazer pensar mais sobre isso.
abraços
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Leticia
Se a essência não muda, então não há transmutação.... Ah, mas isso é chatice de quem estuda filosofia, hehehe
bjus
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kaka
Você é bastante otimista quanto a vida, rs. E com relação a morte, concordo plenamente com você. Por isso sempre acho válido lutar pelo amor.
bjão
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Mário
Eu também acho que a vida não é uma questão de tempo. Contudo, lançamos sobre o tempo a culpa de uma vida mal vivida; culpa que na verdade é toda nossa.
abraços

 


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