22.5.07
o cheiro da beleza
Quem me dera ser como Jean-Baptiste Grenouille: sentir o perfume da beleza para não ser mais enganado pelos olhos...

Logo ele saberia qual era a fonte do aroma que havia cheirado a quase dois quilômetros de distância, da outra margem do rio: não esse pátio sujo, não as nectarinas. A fonte era a garota. Ficou tão perturbado por um momento que, de fato, pensou que jamais em sua vida vira algo tão bonito quanto essa moça. Ele só a via, no entanto, de trás a sua silhueta contra a vela. Queria dizer, naturalmente, que jamais havia cheirado algo tão belo. Mas como conhecia odores humanos, milhares deles, odores de homens, mulheres, crianças, não conseguia entender que um aroma tão precioso pudesse originar-se de um ser humano. Normalmente as pessoas cheiravam de um modo insignificante ou miserável. Crianças cheiravam insipidamente, os homens a urina, suor acre e a queijo, mulheres a banha rançosa e peixe podre. De um modo totalmente desinteressante, repelente, é que cheiravam os seres humanos (...) Agora cheirava que se tratava de uma pessoa, cheirou o suor de suas axilas, a gordura dos seus cabelos, o cheiro de peixe do seu sexo, cheirando tudo com o maior prazer. O suor dela odorava tão fresco quanto a brisa do mar, o sebo dos seus cabelos, tão doce quanto o óleo de amêndoas, o seu sexo como um buquê de lírios-d'água, a pele como flores de pessegueiro... e a conjução de todos esses componentes resultava num perfume tão rico, tão equilibrado, tão fascinante que tudo o que Grenouille havia cheirado até então, em termos de perfume, tudo o que ele brincando havia criado dentro de si em construções aromáticas, tudo de repente degenorou em simples absurdo. Centenas de milhares de odores pareciam não ter mais nenhum valor diante desse último aroma. Este um era o supremo princípio, de acordo com que os demais tinham de se ordenar. Era a pura beleza, beleza pura.

(Patrick Süskind, O perfume. Record, 1985).

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