Grenouille era um rapaz dono de um apurado olfato. Por isso ele foi capaz de criar um perfume com o cheiro aproximado do odor humano. Eis a receita:
Para imitar o odor humano - bastante insuficiente, como ele mesmo sabia, mas suficiente para enganar os outros -, Grenouille tratou de reunir ingredientes dos mais bizarros no laboratório de Runel.
Havia um montinho de merda de gato atrás do umbral da porta que levava ao pátio, ainda bastente fresco. Pegou meia colherinha disso, juntando-o a algumas gotas de vinagre e sal moído no garrafão de misturar. Debaixo da mesa da oficina encontrou um pedacinho de queijo do tamanho de uma unha, provavelmente resto de uma refeição de Runel. Estava bastante velho, começava a se decompor e emanava um forte odor. Da tampa do tonel de sardinhas, nos fundos de trás da loja, raspou algo como ranço de peixe, misturou-o com ovo podre e castórepo, amoníaco, noz-moscada, raspa de chifre e toucinho chamuscado, cortado em pedacinhos. A isso acrescentou uma quantidade relativamente alta de almíscar. Misturou esses horríveis ingredientes com álcool, deixou dissolver e filtrou numa segunda garrafa. O caldo tinha um cheiro devastador. Cheirava a cloaca pútrida, e quando se misturava a sua evaporação à brisa pura do movimento do leque, era como se se estivesse num dia quente de verão na Rue aux Fers, em Paris, esquina da Rue de la Lingerie, onde se encontravam os odores das galerias, do Cimetière de Innocents e das casas superlotadas.
Por cima dessa horrenda base, que em si cheirava mais a cadáver que a gente, Grenouille acrescentou uma camada de aromas oleosos frescos: menta, lavanda, terebintina, limão, eucalipto, que foram ao mesmo tempo controlados e agradavelmente mascarados por um buquê de finos óleos de flores como gerânio, rosa, laranjeira e jasmin. Depois de mais uma dissolução em álcool e um pouco de vinagre, não havia mais nada de nojento a cheirar daquela base sobre a qual repousa toda a mistura. O fedor latente havia se perdido através dos frescos ingredientes até o imperceptível, o horrendo fora embelezado pelo aroma das flores até se tornar quase interessante e, estranhamente, do putrefato não havia mais nada para cheirar, nem mais o mínimo. Pelo contrário, parecia emanar do perfume um odor extremamente etério de vida.
(Patrick Süskind, O perfume, Record, 1985)
Para imitar o odor humano - bastante insuficiente, como ele mesmo sabia, mas suficiente para enganar os outros -, Grenouille tratou de reunir ingredientes dos mais bizarros no laboratório de Runel.
Havia um montinho de merda de gato atrás do umbral da porta que levava ao pátio, ainda bastente fresco. Pegou meia colherinha disso, juntando-o a algumas gotas de vinagre e sal moído no garrafão de misturar. Debaixo da mesa da oficina encontrou um pedacinho de queijo do tamanho de uma unha, provavelmente resto de uma refeição de Runel. Estava bastante velho, começava a se decompor e emanava um forte odor. Da tampa do tonel de sardinhas, nos fundos de trás da loja, raspou algo como ranço de peixe, misturou-o com ovo podre e castórepo, amoníaco, noz-moscada, raspa de chifre e toucinho chamuscado, cortado em pedacinhos. A isso acrescentou uma quantidade relativamente alta de almíscar. Misturou esses horríveis ingredientes com álcool, deixou dissolver e filtrou numa segunda garrafa. O caldo tinha um cheiro devastador. Cheirava a cloaca pútrida, e quando se misturava a sua evaporação à brisa pura do movimento do leque, era como se se estivesse num dia quente de verão na Rue aux Fers, em Paris, esquina da Rue de la Lingerie, onde se encontravam os odores das galerias, do Cimetière de Innocents e das casas superlotadas.
Por cima dessa horrenda base, que em si cheirava mais a cadáver que a gente, Grenouille acrescentou uma camada de aromas oleosos frescos: menta, lavanda, terebintina, limão, eucalipto, que foram ao mesmo tempo controlados e agradavelmente mascarados por um buquê de finos óleos de flores como gerânio, rosa, laranjeira e jasmin. Depois de mais uma dissolução em álcool e um pouco de vinagre, não havia mais nada de nojento a cheirar daquela base sobre a qual repousa toda a mistura. O fedor latente havia se perdido através dos frescos ingredientes até o imperceptível, o horrendo fora embelezado pelo aroma das flores até se tornar quase interessante e, estranhamente, do putrefato não havia mais nada para cheirar, nem mais o mínimo. Pelo contrário, parecia emanar do perfume um odor extremamente etério de vida.
(Patrick Süskind, O perfume, Record, 1985)
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