para se tornar visíveis ao coração".
Escrevi essa frase depois de um inspirador texto da Van.
(E qual texto dela não inspira quem os lê?)
Essa frase veio de encontro a uma reflexão que a tempo fez morada em mim. Tenho matutado muito sobre a famosa frase: "O que os olhos não vêem o coração não sente". E acho que ela não está muito correta....
A expressão seria correta se a utilizassemos em situações nas quais nos referimos a fatos nunca presenciados. Perdõe-me a força do exemplo utilizado. Mas se nunca presenciaste um assassinato, não sabes o quão horrorizante e traumatizante é testemunhar tal ocorrência. Tu tens uma vaga idéia do que seja, e ficas deveras chocado quando sabes de um fato desses. Todavia, essa é uma idéia tão vaga, que quando acabas de ouvir algum causo sobre isso, em pouco tempo esqueces dele e tua vida segue normalmente. Por isso, um coração cujo olhos jamais viram um assassinato, não sente realmente o horror de tal ato.
Entretanto, essa expressão sempre é utilizada em referência a situações por nós conhecidas. Cito dois exemplos. Os pais que defendem seus filhos com unhas e dentes quando "desconhecem" o envolvimento desses com uma vida nada benéfica; ou o parceiro que não acredita nas evidências de traição por não ter presenciado em flagra a consumação do ato.
Procurando ser mais exigente na minha análise, diria que usamos tal expressão quando queremos desacreditar a realidade conhecida por nós. Os pais não querem acreditar na vida devassa de seus filhos e o parceiro na traição do outro, por saber do sofrimento conseqüente de tal certeza.
Há casos também em que preferimos não ver para não rememorar os sofrimentos passados. Recordo uma frase de García Márquez escrita em uma das páginas do "O outono do patriarca" e não exatamente nessas palavras: "A gente só quer esquecer quem a gente ama". Idéia forte, mas devido ao seu alto teor de realidade: quem um dia não teve que tomar a decisão de esquecer um louco amor para poder partir para outra? Para esquecer quem não-amamos não precisamos "querer esquecer", pois o esquecimento é um dispositivo acionado automaticamente. Mas para esquecer um amor não realizado...
Pois bem. Usamos a expressão "O que os olhos não vêem o coração não sente" para nos referir a negação de uma realidade. Não queremos percebe-la para não sofrermos as agruras por ela proporcinada. Fechamos os olhos para sentir a realidade apenas com o coração. É preferível nega-la à enfrentar as dores trazidas por ela.
Se minha reflexão for razoável, quero aproveitar a deixa e propor uma nova expressão. Proponho substituir "O que os olhos não vêem o coração não sente", por "O que os olhos não vêem o coração sente de modo diferente". Sim, pois, se fechamos os olhos para que a realidade não atinja nosso coração, é porque queremos que o coração sinta a realidade diferente de como ela se apresenta.
Ver a vida a partir da realidade ou vê-la a partir do coração. Difícil decisão, devido ao desencanto com que a realidade se desvela, e a incerteza da realidade vivida pelo coração....